quarta-feira, 18 de março de 2009

O GOL MAIS BONITO



Por : José Wilson Malheiros / jwmalheiros@hotmail.com



O gol mais espetacular da carreira do Pelé não foi gravado. Restou-nos saborear a dramatização feita com um jogador juvenil do Fluminense carioca e colocada num filme.
Vejam bem, estávamos em plena década de 1960! Uma seleção brasileira olímpica estava em Santarém. Era coisa de outro mundo.
E foi o que aconteceu, numa tarde memorável, ali no velho estádio Aderbal Tapajós Caetano Corrêa, depois denominado Elinaldo Barbosa.
Para começar o espetáculo, na entrada encontro o famoso Caixa d’Água de porre, querendo entrar sem pagar, de qualquer maneira e já ameaçando criar caso.
Fui à bilheteria, falei com o Senhor Boanerges Sena e consegui entrada gratuita para esse amigo de infância do meu pai.
Ele entrou abraçado comigo, falando, gesticulando e cuspindo. Pediu que eu pagasse um "rebráulio", o refresco preparado e vendido pelo famoso Bráulio, que tinha freguesia bastante concorrida.
(Aliás, para não perder a oportunidade, hoje alguém sabe o segredo das fórmulas do "rebráulio" e do Paumary?).
Cumprimentei o "Seu Bandeira" aquele velhote do banquinho famoso e fiquei sentado na "arquibancada nova", aquela que dava para a sede dos Estivadores, na Avenida São Sebastião e assisti tudo numa posição privilegiadíssima. À minha direita o Carlos Meschede, à esquerda o médico Alberto Serruya.
Em campo, além do Manoel Maria (que havia pertencido ao S. Raimundo, Tuna, de Belém e agora jogava no Santos com Pelé), Ferreti (centro-avante revelação do Botafogo), Cezar (centro avante do Palmeiras e que jogou na seleção principal) e outros mais que pontificaram como craques do futebol nacional.
Na defesa santarena, Inacinho, Piraculhão e companhia barravam todas as investidas, pois não brincavam em serviço.
E a seleção atacava, adiantava o time para tentar fazer gol e a defesa do São Raimundo agüentando o tranco.
Não sei, não. Até hoje desconfio do lance. Manoel Maria, que como eu disse, havia jogado no São Raimundo e era amigo do Dr. Martins, prefeito e patrocinador do evento, perdeu um gol, depois de haver driblado a defesa, o goleiro, ficando, de frente, a meio metro (repito: meio metro!) da trave vazia. Chutou por cima do travessão. A torcida do São Raimundo até aplaudiu.
Em certo momento da partida, Ataualpa Rebelo teve a inspiração e o pressentimento do gênio.
Pegou a bola no meio do campo, veio costurando aqui e ali, driblando pra lá e pra cá, entortando uns e outros, enquanto os varapaus da defesa do selecionado iam recuando ou escorregando no gramado, abrindo caminho para o artilheiro.
"Que nem pitiú na areia (como ele diz)", invadiu a grande área, enganou o goleiro e entrou com bola e tudo: GOOOOLLL!!!!!!!
Sem exagero, um lance assim eu só vi muitos anos depois, quando o Maradona driblou todo mundo e se vingou da Inglaterra, na Copa do Mundo.
Naquele momento esse gol do Ataualpa foi um solo de virtuose, um símbolo, um dos momentos mais sagrados do nosso regionalismo, a versão cabocla da vitória de Davi sobre Golias.
Com certeza as ninfas do Tapajós, os uirapurus, bem-te-vis, rouxinóis e outros pássaros, o curupira, a matinta-perêra da mata ao redor da cidade compuseram ao entardecer daquele dia de glória, mais uma sinfonia para saudar esse gol de placa.
Quem viu, viu. Quem não viu fica chupando manga verde.
Pena que a Caçula torcia pelo São Francisco e certamente não estava lá para incentivar o time com palavrões cabeludos e brindar a vitória. Mas isto já é outra estória.


Matéria publicada na última edição do Jornal "O Impacto"