Cresce a polêmica em torno do projeto de construção de uma usina hidrelétrica na bacia do rio Xingu, no Pará. É uma opção para aumentar a geração de energia na região. Mas os impactos da usina ainda não estão claros. Além da pressão pelo desmatamento e pela ocupação irregular de terras, tradicional em empreendimentos do tipo na Amazônia, Belo Monte fica em um terreno considerado sagrado pelos índios, e sua obra poderia prejudicar a oferta de peixes, principal fonte de proteína para quem mora lá.
Na audiência pública que ocorreu segunda-feira em Belém, o encontro entre os representantes das empresas que devem participar da obra (Eletrobrás e Eletronorte, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Norberto Odebrecht) com procuradores e promotores dos Ministérios Públicos terminou em confusão. Segundo Paulo Barreto, pesquisador Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, parte do problema é que o estudo de impacto ambiental da obra é correto, mas se limita as conseqüências localizadas em um empreendimento deste porte. Barreto, que participou da audiência, enviou uma análise do caso aos procuradores. “Ao sair da audiência, comecei a refletir sobre a necessidade de avaliar esse tipo de projeto de forma mais profunda e estratégica”, disse. A seguir, as considerações de Paulo Barreto:
Qual a alternativa ao projeto? Investir na economia de energia. Há experiências internacionais de que o investimento em eficiência energética resulta em retorno econômico maior do que na geração. O livro Capitalismo Natural mostra dois tipos de experiência nesse sentido. Em vez de construir uma nova termelétrica o gerador de energia subsidia a industria para gerar equipamentos mais eficientes (por exemplo, lâmpadas ou motores) ou diretamente o consumidor para adquirir tais equipamentos. O gerador ganha ao investir menos neste subsídio do que em construir uma nova termelétrica.
Esse tipo de arranjo muitas vezes não ocorre porque quem gera a energia não recebe pelos ganhos em eficiência. No Brasil, o Ibama que analisa o EIA-RIMA (estudo e relatório de impacto ambiental) fica preso na armadilha de avaliar o que as empresas apresentam e, aparentemente, não questiona a estratégia mais ampla de geração de energia. Assim, é preciso desafiar o Ibama e Eletrobrás a comparar o retorno do investimento nas hidrelétricas com outros investimentos em eficiência.
Além disso, seria interessante considerar como a Eletrobrás poderia se beneficiar desses investimentos. O subsídio a eficiência energética pode ser apenas temporário quando envolve aumentar a escala de produção de um equipamento e desta forma diminui o custo de produção. Assim, no médio prazo o subsídio se torna desnecessário.
Investir em outros projetos de geração é uma opção. Saiu recentemente uma estimativa no Valor Econômico de que o potencial para gerar energia a partir de biodigestores no Brasil seria equivalente as hidroelétricas do rio Madeira. Porém, há vários entraves para a utilização deste potencial. Porém, é provável que os ganhos ambientais (por exemplo, aproveitamento de fezes de porcos que poluem) desse tipo de geração seriam suficientes para torná-la mais atrativa em uma comparação com os danos socioambientais das hidroelétricas. Vale lembrar que as hidroelétricas na Amazônia envolvem altos custos de transmissão para os principais centros consumidores os quais são desconsiderados nos projetos de geração. A geração de biodigestores próxima dos centros consumidores poderia reduzir estes custos.
Quais os impactos das mudanças climáticas no projeto? Pesquisadores da Coppe da UFRJ estão avaliando os potenciais efeitos das mudanças climáticas na geração de energia no Brasil. As estimativas iniciais mostram o risco de redução de produção de parte das hidrelétricas existentes e de redução de potencial para geração em determinadas regiões do país. Seria essencial saber as implicações desse estudo para Belo Monte. Se os riscos são importantes, o projeto ficaria menos atrativo e melhoraria o interesse das alternativas como o investimento em eficiência energética.
Independente de a obra ser aprovada ou não, essas perspectivas, que raramente entram nos estudos de impactos e nas discussões correntes sobre as hidrelétricas na Amazônia, levariam o debate para um campo mais produtivo.