quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O SOLDADO 123 (crônica de José Wilson Malheiros)

Por: José Wilson Malheiros

Estamos chegando na época de Finados. Hora propícia para falar sobre um fato que até hoje guardo na alma e que, com certeza, marcou profundamente aquele grupo de jovens que, como eu, prestaram o serviço militar no inesquecível TG-190, aquela escola de civismo, cidadania e de honradez que existia em Santarém, nos tempos que antecederam a chegada do 8º. BEC.
O atirador cento e vinte e três era um jovem magrinho, moreno e tímido, que morava no bairro da Prainha.
De certa maneira, como sabem, os exercícios físicos e a maneabilidade eram pesados, exigindo de nós, os recrutas, boa saúde.
Certo dia, na hora da chamada, ele não respondeu. Mais tarde a mãe veio avisar que ele fora acometido de uma crise de apendicite aguda e já estava sendo operado no hospital do SESP.
Pediu e recebeu licença de trinta dias para se recuperar da cirurgia. Como a cicatrização estava demorando, nova dispensa foi concedida.
Quase três meses depois, ele apareceu e pediu para ser incorporado à tropa, novamente. Falou que era patriota e que já estava ávido para continuar servindo a pátria.
Mas, a cansativa rotina de atividades foi demais para ele. A cicatriz abriu-se, inflamou e ele acabou falecendo. Foi um constrangimento geral. A nossa juventude ficou mais triste, nossos sonhos lacrimejaram. Era a primeira vez que a maioria de nós via a morte assim tão de perto. Ficou decidido que ele seria enterrado com todas as honras e estilo militares.
A tarde do funeral estava nublada e nos oprimia a todos. Quando o cortejo fúnebre chegou ao cemitério, os soldados já se postavam em alas simples (fileiras) desde a porta de entrada e acompanharam ladeando o esquife, a passos lentos, até o local onde estava a cova que ia receber os restos mortais do nosso irmão de farda.
Antes do caixão descer ao túmulo, cantamos o Hino Nacional, foi retirada a bandeira nacional que cobria o caixão, dobrada e entregue à família.A seguir, doze atiradores fardados executaram uma salva de vinte um tiros de fuzil, com intervalos de aproximadamente trinta segundos entre cada rajada.
Arranjaram para mim um tamborete. Sebastião Ferreira segurava a partitura musical.
No momento em que o corpo do soldado descia à sepultura comecei a executar, no trompete, o toque lúgubre e saudoso de silêncio, simbolizando a nossa tristeza, espalhando pelo entardecer um sentimento de meditação, de saudade e de dor. Era a hora da saída das mocinhas do Colégio Santa Clara e o acontecimento as trouxe todas para o cemitério, entre espantadas e curiosas.
Quase todo mundo chorava. Eu quase nem consegui chegar ao fim do solo da melancólica melodia. Um nó na garganta, as lágrimas que desciam pelo meu rosto, tremor nas mãos, emoção sem fim, que até hoje dorme em meu peito, quando recordo daquele entardecer santareno.
Soldado 123! Sei que teu Anjo da Guarda te guiou e te conduziu para uma das moradas do Pai Eterno, no infinito!