sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Reportagem especial – Vida no garimpo, do blefo ao bamburro

Quando no garimpo do Marupá, mais propriamente na Comunidade Antônio Sudário iniciei minha coleta de “histórias” no universo exótico de um mundo próprio de pessoas que com sua filosofia  de vida nos acabam passando sábias lições de vida, o que mais ouvi foram garimpeiros filosofando sobre o tema mulher.
O fórum popular regado a 51 e cerveja Skol reascendeu as discussões com uma interpretação sobre os desígnios do ouro que acabaram deixando muitos garimpeiros na lona financeira depois de muita ostentação, farras e porres homéricos… João Viola, que nunca mais voltou pra rever sua gente em Bacabal, foi logo disparando: “Moço, a nossa desgraça aqui tem sido o tal do banco rachado, garimpeiro é muito carente, muito sozinho e não vive sem um travesseiro de olheiras”.
Um outro interveio: “Olha, seu repórter, tem muita gente que culpa as quengas quando um garimpeiro bamburrado fica na merda, mas não é mulher que deixa o garimpeiro pobre não, é que garimpeiro é igual jogador de baralho só levanta da mesa lascado ou com muito dinheiro, às vezes um negócio malfeito. Conheci um compadre que colocou seu maquinário numa boca de serviço  e tirou um ‘ourim’ bom, daí pensou que iria continuar a exploração para aumentar a quantidade, vendeu uma casa, um carro e outros bens que tinha em Santarém, jogou tudo lá dentro, era um barranco cego, aí ele perdeu o que tinha ganhado e ainda ficou devendo… Mas mesmo assim vive socado no meio do mato, nos baixões igual tatuzão cavando a vida e cavando buracos atrás de ouro”.
O nosso personagem Chico Leite, um contador de histórias no garimpo, nos deu sábias lições sobre a vida no garimpo, um professor que aprendeu e ensinou diversas lições sobre os mistérios, desditas, encantos e desventuras desse metal tão cobiçado chamado ouro. Em suas peripécias sem qualquer cerimônia ou remorso do seu passado de garimpeiro bamburrado que explorou mais de cem quilos de ouro, nos relatou também verdadeiras pérolas de sua vida garimpeira.
“Quando eu estava por cima do ouro, bamburrado, uma vez saí do Marupá no meu avião até Alta floresta só para jantar. E naquela época já tinha família, mesma assim tinha uma amante por semana, só filé, só mulher capa de revista, tipo Playboy, cada galegona que vinha atrás do nosso ouro, lá de Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, mas agora que fiquei pobre nunca mais. Mulher pelada agora só tenho visto em DVD”, declarou.
Outros antigos do garimpo no embalo contam histórias de ostentação de Chico Leite quando de uma certa vez estava indo também para Alta Floresta em avião de sua propriedade para jantar, e no meio da viagem lembrou que havia esquecido seu chapéu, aí ele ordenou que o piloto voltasse para o Marupá só pra ele pegar seu Chapéu.
O próprio Chico leite depois confirmou as histórias, dizendo que na época era tanto dinheiro, tanto dinheiro que nos dias de hoje não tem a menor ideia de quanto seria, mas com certo saudosismo admite que depois disso nunca mais teve essa sorte, mas assegurou com todas as letras que se um dia voltar a ficar milionário de novo, se acertar num bamburro, não faria mais o que fez no passado. Chico recorda que era tanto dinheiro que tinha até leilão de mulher, elas desfilavam no salão da boate Califórnia (a mesma onde teve o show do Raul Seixas) e hoje no seu lugar foi construída uma igreja evangélica.
Mas o paradoxo da vida do garimpeiro é que  com pouco ou muito ouro, sua sina é torrar tudo com bebida e mulher. Fazendo uma comparação cômica sobre a diferença entre o garimpeiro quando está rico e quando está pobre, eles dizem que o lugar onde o garimpeiro tem mais mãe é no cabaré, quando chega com muito ouro, porque é meu filho pra cá, meu filho pra lá… Quando uma delas cochilava nos ouvidos de Chico Leite o chamando de meu Bem, Chico disse que entendia de um outro jeito, na verdade ela está dizendo meu besta.
Independentemente se estar por cima da carne seca ou nas vacas magras, o garimpeiro é brincalhão e ri da própria desgraça, e uma figura muito presente são as dos cutiões (homens que vivem sozinhos porque não conseguem arranjar uma companheira pra dividir o feijão e a pasta de dente. Quem se enquadra nesse perfil são os irmãos João Mineiro e Marciano, que na verdade têm semelhança mais com Bartô Galeno. Vivem num baixão descendo meia hora o Rio Crepuri de canoa, se dividem entre as atividades garimpeiras e lavoura. Encontro um deles pela manhã num domingo, de bota, no ombro um rádio em alto volume tocando Adalgiza, a mulher que não tem coração…Marciano é um sujeito emotivo que chora ao lembrar da última mulher amada que lembra a Adalgiza,  depois que a perdeu resolveu virar cutião e está morando há muitos anos sozinho num barraco com o irmão. Gostam de tomar uma pinga, mas são queridos e respeitados na comunidade, por serem honestos e trabalhadores. Com informações e foto de Zeca Tapajós.
Por: Nazareno Santos

Fonte: RG 15/O Impacto