
Quando no garimpo do Marupá, mais
propriamente na Comunidade Antônio Sudário iniciei minha coleta de
“histórias” no universo exótico de um mundo próprio de pessoas que com
sua filosofia de vida nos acabam passando sábias lições de vida, o que
mais ouvi foram garimpeiros filosofando sobre o tema mulher.
O fórum popular regado a 51 e cerveja
Skol reascendeu as discussões com uma interpretação sobre os desígnios
do ouro que acabaram deixando muitos garimpeiros na lona financeira
depois de muita ostentação, farras e porres homéricos… João Viola, que
nunca mais voltou pra rever sua gente em Bacabal, foi logo disparando:
“Moço, a nossa desgraça aqui tem sido o tal do banco rachado, garimpeiro
é muito carente, muito sozinho e não vive sem um travesseiro de
olheiras”.
Um outro interveio: “Olha, seu repórter,
tem muita gente que culpa as quengas quando um garimpeiro bamburrado
fica na merda, mas não é mulher que deixa o garimpeiro pobre não, é que
garimpeiro é igual jogador de baralho só levanta da mesa lascado ou com
muito dinheiro, às vezes um negócio malfeito. Conheci um compadre que
colocou seu maquinário numa boca de serviço e tirou um ‘ourim’ bom, daí
pensou que iria continuar a exploração para aumentar a quantidade,
vendeu uma casa, um carro e outros bens que tinha em Santarém, jogou
tudo lá dentro, era um barranco cego, aí ele perdeu o que tinha ganhado e
ainda ficou devendo… Mas mesmo assim vive socado no meio do mato, nos
baixões igual tatuzão cavando a vida e cavando buracos atrás de ouro”.
O nosso personagem Chico Leite, um
contador de histórias no garimpo, nos deu sábias lições sobre a vida no
garimpo, um professor que aprendeu e ensinou diversas lições sobre os
mistérios, desditas, encantos e desventuras desse metal tão cobiçado
chamado ouro. Em suas peripécias sem qualquer cerimônia ou remorso do
seu passado de garimpeiro bamburrado que explorou mais de cem quilos de
ouro, nos relatou também verdadeiras pérolas de sua vida garimpeira.
“Quando eu estava por cima do ouro,
bamburrado, uma vez saí do Marupá no meu avião até Alta floresta só para
jantar. E naquela época já tinha família, mesma assim tinha uma amante
por semana, só filé, só mulher capa de revista, tipo Playboy, cada
galegona que vinha atrás do nosso ouro, lá de Santa Catarina, Paraná,
Rio de Janeiro, mas agora que fiquei pobre nunca mais. Mulher pelada
agora só tenho visto em DVD”, declarou.
Outros antigos do garimpo no embalo
contam histórias de ostentação de Chico Leite quando de uma certa vez
estava indo também para Alta Floresta em avião de sua propriedade para
jantar, e no meio da viagem lembrou que havia esquecido seu chapéu, aí
ele ordenou que o piloto voltasse para o Marupá só pra ele pegar seu
Chapéu.
O próprio Chico leite depois confirmou as
histórias, dizendo que na época era tanto dinheiro, tanto dinheiro que
nos dias de hoje não tem a menor ideia de quanto seria, mas com certo
saudosismo admite que depois disso nunca mais teve essa sorte, mas
assegurou com todas as letras que se um dia voltar a ficar milionário de
novo, se acertar num bamburro, não faria mais o que fez no passado.
Chico recorda que era tanto dinheiro que tinha até leilão de mulher,
elas desfilavam no salão da boate Califórnia (a mesma onde teve o show
do Raul Seixas) e hoje no seu lugar foi construída uma igreja
evangélica.
Mas o paradoxo da vida do garimpeiro é
que com pouco ou muito ouro, sua sina é torrar tudo com bebida e
mulher. Fazendo uma comparação cômica sobre a diferença entre o
garimpeiro quando está rico e quando está pobre, eles dizem que o lugar
onde o garimpeiro tem mais mãe é no cabaré, quando chega com muito ouro,
porque é meu filho pra cá, meu filho pra lá… Quando uma delas cochilava
nos ouvidos de Chico Leite o chamando de meu Bem, Chico disse que
entendia de um outro jeito, na verdade ela está dizendo meu besta.
Independentemente se estar por cima da
carne seca ou nas vacas magras, o garimpeiro é brincalhão e ri da
própria desgraça, e uma figura muito presente são as dos cutiões (homens
que vivem sozinhos porque não conseguem arranjar uma companheira pra
dividir o feijão e a pasta de dente. Quem se enquadra nesse perfil são
os irmãos João Mineiro e Marciano, que na verdade têm semelhança mais
com Bartô Galeno. Vivem num baixão descendo meia hora o Rio Crepuri de
canoa, se dividem entre as atividades garimpeiras e lavoura. Encontro um
deles pela manhã num domingo, de bota, no ombro um rádio em alto volume
tocando Adalgiza, a mulher que não tem coração…Marciano é um sujeito
emotivo que chora ao lembrar da última mulher amada que lembra a
Adalgiza, depois que a perdeu resolveu virar cutião e está morando há
muitos anos sozinho num barraco com o irmão. Gostam de tomar uma pinga,
mas são queridos e respeitados na comunidade, por serem honestos e
trabalhadores. Com informações e foto de Zeca Tapajós.
Por: Nazareno Santos
Fonte: RG 15/O Impacto