Crimes de Tortura, roubo e baleamento na comunidade de Pajuçara
Ainda era madrugada do sábado (4/2), por volta das 3h, quando 342 famílias foram surpreendidas e acordadas por homens encapuzados e armados na ocupação Nova União, no Pajuçara, em Santarém. Mesmo com a escuridão da localidade, algumas pessoas gravaram vídeos nos aparelhos celulares, a quais registraram sons de disparos de armas não-letais, gritos e muito desespero em uma ação arbitrária provocada por elementos identificados como seguranças particulares daquela área que ainda está em litígio.
Algumas das vítimas, no início da manhã daquele dia se deslocaram para a 16ª Seccional de Polícia Civil para detalhar o caos que foi instalado. Ainda com vestígios de sangue, com curativos em cima de ferimentos e muitos nervosos, conseguiram falar sobre o ocorrido à reportagem da TV Impacto.
O Presidente da Associação de prenome Gilmar, se manifestou a respeito da guerra travada com os donos da área. “Eles já chegaram lá pelo último barraco que tem, a mãe da deficiente, que ta aqui também. Viu que já chegaram lá cortando punho de rede e entraram destruindo tudo, só o segurança disparou com uma escopeta 12, de bala de borracha em cima de nós. Derrubaram e destruíram tudo, tudo, tudo”, desabafou.
Ainda conforme o presidente da associação, se expedirem a decisão da Justiça para saírem do local seguirão as ordens, mas enquanto isso, aguardam no local invadido. “Outra coisa, nós entramos na Justiça, a área está em litígio e como foi várias ocorrências que já teve lá. Vários tenentes chegaram e falaram que só a Justiça determinava se a gente saia ou não. Enquanto não sai a decisão ficaremos lá. Está aqui o protocolo da Justiça, se a outra parte alega ser dono, que primeiramente, alegavam que era da prefeitura, agora já tem um dono. Porque aconteceu isso? Se vendeu legalmente, porque não esperou a ordem da Justiça? Se for pra gente sair, todo mundo é ciente de que vamos sair. Mas não da forma que fomos tirados de lá”, ressaltou.
Celulares subtraídos
Outro que viveu momentos de terror e ainda teve seu celular levado, esteve registrando boletim de ocorrência na delegacia e relatou como tudo aconteceu. “Eu estava dormindo e na hora lá eles chegaram com cassetes dizendo: Passa o celular, passa o celular, levanta e passa o celular! Foi o que ele falou, pra ninguém filmar a situação ou então ligar pra polícia. Se acovardaram da gente, tenho certeza que não é o direito deles agiram dessa maneira, deveriam chegar lá com a gente, conversar numa boa, viesse com uma ordem da Justiça, com certeza todo mundo ia ser retirado de lá. Foram 6 aparelhos celulares levados, 4 já fora recuperados 4 e ainda faltava 2. O meu, que to aqui registrando b.o e outro rapaz que não conseguiu vim aqui porque ta sem dinheiro”, revelou.
Algemado e torturado
A mãe de uma jovem deficiente de 24 anos, que foi a primeira a ser surpreendida pelos homens encapuzados, afirmou que o marido ao interferir para que não cortassem os punhos da rede em que a filha que não anda estava, foi algemado e torturado.
“Os seguranças chegaram, nem pediram pra gente retirar nada, já foram logo cortando as cordas das redes, inclusive da minha filha que ela é especial, eles foram pra cortar. Eles balançavam a rede dela pra ver se ela se levantava, como ela não se levantou, eles meteram um terçado. E meu esposo ao se meter na frente e pediu pra eles não cortarem, algemaram ele e espancaram. Havia outras crianças que estavam lá no barraco, dos vizinhos, foi momentos muito triste, momento de terror, eles não deveriam fazer isso, porque já ta na Justiça. O que eles deveriam fazer é esperar a ordem judicial, dá um prazo, e não ir na madrugada, destruir tudo, tocando fogo, sem deixar tirar nada de dentro”, disse a mãe muito abalada.
A mulher alegou ainda que para a ação, os encapuzados fecharam a entrada da comunidade, não podia entrar e nem sair. As agressões só pararam com a chegada das viaturas. “Eles começaram a chegar, só soltaram da algema lá da árvore, depois que a viatura chegou, enquanto isso ele só tava apanhando amarrado”, concluiu.
O pai da jovem especial sofreu ferimentos no rosto e ficou com alguns hematomas pelo corpo. Um vídeo cedido para nossa reportagem mostra o homem no chão, algumas lanternas iluminando, várias pessoas ao redor, e alguém gritando: “só algema, algema”, enquanto a mãe desolada clamava: “pela amor de Deus tem criança aqui”.
O Presidente da Associação, finalizou admitindo o fato de estarem errados por invadirem uma propriedade, mas destacou que a ação truculenta também foi ilegal. “Se nós estamos errados, eles estão mais errados ainda, porque nós estamos procurando os meios legais. Quando a Justiça manda fazer uma desapropriação, ela tem um horário pra ser cumprida e essa nunca vi isso na minha vida, uma desapropriação acontecer pela madrugada. É muito triste ver essa situação, ele fazer que nem cachorro certas pessoas, eu fui baleado, porque? Eu to nessa luta, porque sei que são pessoas que estão precisando. De verdade, são pessoas que estão demonstrando que tão necessitando mesmo de um local para morar e nós vamos até o fim, porque nós procuramos os meios legais, e eles pegaram e usaram da forma errada”, concluiu.
O que diz a Polícia Militar?
O caso ganhou grande repercussão e consequentemente muitas especulações começaram a surgir nas redes sociais, dentre elas, estão a possível participação de Policiais Militares. E para esclarecer sobre isto, convidamos o Coronel Wagner do Comando de Policiamento Regional I (CPR-1), para explicar como ocorre os procedimentos das forças de segurança pública nesses casos.
“Primeiramente queira informar que a Polícia Militar é um órgão que age dentro da legislação, tão logo chegue essas documentações de reintegração de posse via judicial, a Polícia Militar vai fazer um apanhado, vai se debruçar em um planejamento específico, inclusive o Batalhão de Missões Especiais (2° BME) que é o órgão que vai ficar a frente, juntamente com Belém, o Comando de Missões Especiais, e o CPR vai dá aquele suporte neste tipo de ocorrência. Lembrando que outros órgãos serão comunicados. Aí toda vez que a Polícia Militar é acionada vai verificar, se tem flagrantes ou não. Se tiver flagrantes, delegacias, e qualquer anormalidade entrar em contato no nosso 190, que ta sempre disponível para qualquer situação”, frisou.
O Coronel reafirmou que somente com a documentação judicial será possível proceder adequadamente. “Mas precisamos de duas situações, saber quem vai entrar com essa decisão, se tem proprietários, e lá nessa propriedade existe um ponto, áreas que são da Prefeitura. Então, nesse meio de campo quem vai decidir é a Justiça”.
Sobre o envolvimento de PMs nesta ação, o Comandante do CPR-1, explicou que esta desordem ocorrida naquela madrugada, não tem relação com policiais. “A PM só vai acatar a ordem judicial de reintegração, como já foi bem falado, lembrando que esse conflito, não foi entre a Polícia Militar, foram seguranças particulares para evitar outras invasões ou os que ocupam por lá”.
Por fim, informou que todas as vítimas registraram boletim de ocorrência e os próprios seguranças alegaram não possuir arma de fogo, além de que nada de armamento também, não foi encontrado no perímetro.
“Como não foi visto pelas nossas viaturas, mas fica essa situação, toda vez que a Polícia Militar for acionada, vamos fazer o nosso trabalho de pacificação que é feito, e de ordem. Na verdade, eles são contratados para proteger a propriedade, não podem está armados, até porque não tem porte de arma. Então, se nós verificarmos alguém com arma de fogo serão conduzidos para a delegacia. A princípio são seguranças particulares para evitarem novas invasões, como esta sendo divulgado e ‘ventilado’ na sociedade. A Polícia Militar segue protocolos e podem contar com a pacificação da nossa cidade”.
Sobre os proprietários da área ainda fica a dúvida a quem realmente pertence. Após a primeira reportagem na TV Impacto cujo nome: “ Quem é o dono? Prefeitura ou Imobiliária? Cerca de 300 famílias lutam por pedaço de terra”, veiculada no dia 27 de fevereiro, uma imobiliária entrou em contato manifestando interesse para se posicionar a respeito, mas até o fechamento desta reportagem não obtivemos retorno. Contudo, o espaço continua disponível para qualquer esclarecimento a quaisquer das partes envolvidas.
Ocupação Comunidade Nova União
A área invadida equivale a 252 metros de frente, por 600 de fundo, no Pajuçara recebeu o nome de Comunidade Nova União. Desde junho de 2022, 342 famílias se instalaram no local.
O impasse por essa terra já gerou diversos embates, o penúltimo ocorreu em 3 de novembro, quando foram obrigados a saírem do local.
Ainda tramita na Justiça a posse da área que está em litígio, ou seja, existem pendências pertinentes a este processo judicial. Segundo o glossário do Supremo Tribunal Federal do Brasil, litígio é a disputa judicial que se constitui após a contestação pelo réu do pedido apresentado pelo autor.
Por Diene Moura
O Impacto – colaborou Lorenna Morena (TV Impacto)