Crônica de José Wilson Malheiros da Fonseca
Tinha eu mais ou menos onze anos de idade, quando numa tarde chuvosa do dia onze de fevereiro começou a sobrevoar Santarém um avião, se não me engano um DC-3 da Força Aérea Brasileira.
Até aí nenhuma novidade, já que aviões da FAB voavam na Amazônia toda, fazendo as vezes de correio, levando e trazendo doentes, facilitando contato com índios etc.
Mas esse avião, viemos saber depois, era especial. O Aeroporto ainda ficava ali onde hoje está a Prefeitura Municipal.
Os revoltosos mandaram colocar camburões na pista, foram à sede do Tiro de Guerra 190 (15 de novembro com Galdino Veloso), deram voz de prisão para os Sargentos e tiraram quase todos os “ferrolhos” dos velhos fuzis utilizados na Segunda Guerra Mundial. Pronto, a cidade estava conquistada. Seria doravante a base principal dos revoltosos.
Tempos depois mandaram outro oficial, chamado Paulo Vitor, para prender os colegas. Mas ele aderiu ao movimento. Agora eram três. Simbolizavam a insatisfação dos militares com o novo governo de Juscelino, que os havia derrotado nas urnas e era considerado como “entreguista”.
Alguns índios e caboclos da região aderiram aos três “quixotes”.
Foram “conquistadas” além de Santarém, Itaituba, Belterra e Cachimbo.
A Pérola do Tapajós era uma cidade minúscula na época e a notícia se espalhou rápido:
- Major Veloso chegou aí. Já dominou a cidade.
Alguns dias após, a população começou a ficar aflita. As notícias eram as mais alarmantes possíveis:
- O rádio está dizendo que vão chegar muitos aviões da FAB para bombardear a cidade, prender Veloso e sua turma.
Quem escutava o Repórter Esso, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, passava as novidades, às vezes sem ter certeza do que estava ouvindo.
- Vão bombardear Santarém! Salve-se quem puder!
Foi um corre-corre. Quem tinha para onde fugir, foi embora: para as várzeas, para as colônias, para as cidades vizinhas, para Manaus etc. Muita gente, com pavor, deixou a casa aberta e foi embora (não havia ladrões, naqueles tempos inocentes).
Papai mandou a pirralhada toda com minha mãe para Belém “para fazer consultas médicas”. Ficamos somente eu e ele em casa.
Na minha inocência de molecote achava bonito os aviões cruzando os céus da cidade. Se iam jogar bomba na gente, não interessava. Nem avaliava o perigo.
Eram as então famosas “fortalezas voadoras” (quadrimotores), helicópteros e outros tipos de aeronaves. Cheguei até a fazer brinquedos de madeira imitando aviões e resolvi que iria ser da Aeronáutica, quando ficasse adulto.
Mas nem tudo era fantasia. Ainda me lembro da dona Andreza, que costurava para mamãe. Ela morava ali na Floriano Peixoto, quase chegando à igreja Matriz. Tinha um filho chamado Cazuza.
Nos seus sonhos de se tornar herói, aderiu a Veloso e foi morto a tiro de fuzil nas matas de Cachimbo. A cidade toda ficou triste. Morreu na flor da idade, embalado pelos sonhos de heroísmo. Hoje ninguém mais fala nele, na cidade.
A revolta acabou em poucos dias.
Anos depois, fui testemunha ocular da “tomada da Bastilha mocoronga”, o dia em que Veloso, à frente de uma multidão, apressou-se para tomar a prefeitura.
Mas isso eu conto em outra oportunidade...