Por Luiz Flávio Gomes ( * )
Marina Silva (PSB) defende a ideia da não reeleição
(para os cargos executivos), o PT nada disse oficialmente e o Aécio
Neves (PSDB) desconversou: “Eu defendo, como sempre defendi, a
coincidência das eleições com mandatos de cinco anos, sem direito à
reeleição. O momento em que isso vai ser implementado dependerá do
Congresso Nacional”. Se não nos mobilizarmos amplamente, a ideia da
não-reeleição para o Executivo e para o Legislativo não vai vingar
nunca.
Dos 513 deputados que irão compor a nova legislatura,
com início em 1/2/15, 260 dizem ter como profissão a “política”.
Tornaram-se, como se vê, políticos profissionais! Depois vêm advogados
(44), empresários (42), médicos (29), servidores públicos (14),
engenheiro (11), professores (11), economistas (7), jornalistas (6),
agricultores (5), policiais (5) e outros (67) (Folha 9/10/14: 7). Dois
candidatos barrados pela Lei da Ficha Limpa conseguiram votos para se
eleger (Paulo Maluf e André Moura), mas ainda têm recursos pendentes.
Homens (não as mulheres), brancos (não negros nem
índios), adultos (não crianças), grandes ou médios proprietários (não os
pequenos ou não-proprietários), de orientação sexual masculina (não
homossexuais etc.), corporalmente sãos (não portadores de deficiência
física), livres (não os que se encontram em neoservidões ou
neoescravidões), com ensino superior completo (411 dos 513
parlamentares) e políticos de carreira (260 dos 513): esse é o
parlamentar médio na próxima composição da Câmara dos Deputados. Desde
que a burguesia ascendente assumiu o poder político (no século XVII na
Inglaterra e no século XVIII na França) sempre foi assim a composição
dos Parlamentos, que são um retrato da sociedade e, acima de tudo, da
forma de pensar da sociedade.
A maior bancada da Câmara, portanto, será dos
“políticos de carreira” (260 políticos profissionais, que assumem a
política como profissão). A segunda maior bancada (82 integrantes) é a
do Parentismo S. A. (filhotismo, familismo etc.). Esse é um
fenômeno mundial, mas aqui tudo funciona de forma diferente. Em países
como os EUA é o mérito de cada um que prepondera. Aqui é a indicação, a
imposição, a escolha pessoal dos chefes dos partidos (é o famoso dedazo,
como disse O Globo 9/10/14: 22). Os caciques manobram tudo dentro dos
partidos, inclusive as gordas receitas que os financiadores das
campanhas proporcionam. Não se estimula a troca dos antigos políticos
por novas lideranças. São partidos viciados, que lutam somente pelo
poder. Boa parcela dos brasileiros está exausta de tudo isso. A questão é
como converter essa insatisfação em medidas concretas.
O desenvolvimento dos países depende de instituições
fortes e organizadas (instituições políticas, econômicas, jurídicas e
sociais). O Brasil se transformou numa sociedade extremamente complexa
(com mais de 200 milhões de pessoas), com instituições fracas e
desorganizadas (destacando-se o baixo nível de império da lei). A cada
eleição renovam-se as esperanças de mudanças, mas tudo continua igual
(“numa sucessão infinita de esperanças e decepções”, como disse Fernando
Henrique Cardoso). Precisamente quando as forças sociais e econômicas
se tornam variadíssimas e antagônicas é que as instituições deveriam se
fortalecer. Em muitos países, no entanto, não é assim que funcionam as
coisas. Tudo vai ficando cada vez mais complexo e as instituições vão se
tornando cada vez mais impotentes, desconexas e disfuncionais.
Historicamente as instituições se fortalecem na
medida em que os desacordos ideológicos, econômicos e sociais se
incrementam. No Brasil invertebrado as coisas se passam de forma
diferente. Estamos vendo muita desintegração e instituições mergulhadas
na corrupção, na apatia, no mandonismo, no filhotismo, no familismo.
Recorde-se que “os atenienses pediram uma constituição a Sólon quando viram a suapolis
ameaçada de dissolução porque havia tantos partidos diferentes [agora,
28 ocuparão cadeiras na Câmara] quantas eram as diversidades da região e
a disparidade de fortuna entre os ricos e pobres chegou também ao
máximo naquele tempo” (Plutarco, em Huntington, A ordem política nas sociedades em mudança,
p. 23). Em situações históricas como essas são imprescindíveis
instituições vigorosas, altamente desenvolvidas, para manter a
organização social em andamento.
Não surgindo instituições fortes, os laços sociais
vão se esfarelando, a descrença aumenta, a ira aparece e a indignação
pode explodir, levando à extinção do modelo de organização social
estabelecido. Não podemos deixar que o bonde chamado Brasil, agora com
mais de 200 milhões de pessoas, continue andando sob o império das
tendências desintegradoras, separatistas, corporativistas e
desagregadoras. Um país sem um projeto comunitário catalisador das
esperanças do seu povo tende a viver sobre ruínas, doenças, inflação
descontrolada, violência, corrupção, desemprego e enorme sensação de
impotência. Com a classe política frágil, sem capacidade para elaborar
projetos comuns, estamos caminhando para a “lei do mais forte”
(sociedades brutais, como descrevia Hobbes) quando deveríamos ser fortes
no império da lei e da sustentável convivência.
( * ) – Luiz Flávio Gomes Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).
Texto originalmente publicado em jusbrasil,com.br