Objetivo é desenvolver um produto que permaneça mais tempo no local de ação com menos aplicações
É comum entre as mulheres em idade
reprodutiva a alta incidência de inflamações e infecções de cunho
ginecológico. Na região Amazônica, esse índice é ainda maior por causa
do clima quente e úmido, que favorece a proliferação de doenças.
Pensando nisso, a professora Kariane Nunes, do Instituto de Saúde
Coletiva (Isco) da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa),
resolveu desenvolver um gel voltado para medicamentos mais eficaz no
tratamento de vaginites e vaginoses, utilizando um sistema de liberação
controlada feito com a cera do murumuru, que permanece mais tempo no
organismo.
“A tecnologia farmacêutica aliada à
pesquisa pode corroborar com o desenvolvimento de um sistema de
liberação novo, mais arrojado, que consiga permanecer no local de ação
por mais tempo, diminuindo a frequência de utilização de cremes”,
explica a professora. Os cremes tradicionais vendidos atualmente são
rapidamente degradados pelo fluxo vaginal, que é bastante intenso. Por
isso, a mulher precisa aplicá-los todos os dias, o que é incômodo e faz
com que muitas desistam no meio do tratamento.
Segundo Kariane, os fármacos nunca são
consumidos em sua forma original porque são muito potentes e podem
aumentar o risco de reações adversas. Por isso, é necessário desenvolver
formas farmacêuticas que não sejam tão agressivas ao corpo. No projeto
desenvolvido em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a
Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto (USP Ribeirão Preto), o
objetivo é desenvolver géis líquidos cristalinos que consigam acomodar o
fármaco e liberá-lo gradativamente no organismo.
“No mercado, existem lipídeos
autoemulsionantes que, na presença de água, se transformam em cristais
líquidos. É possível adquirir essas gorduras por um preço um pouco alto.
Durante as pesquisas que fiz no pós-doutoramento, descobri que temos
uma matéria-prima na Amazônia, especificamente no Pará, que tem
propriedades idênticas a esses lipídios”, explica Kariane.
A manteiga do murumuru (Astrocaryum murumuru)
funciona como um emoliente natural, que atua na retenção da umidade da
pele e contribui na hidratação e recuperação de sua elasticidade
natural. Já é utilizada pela indústria cosmética, mas, até então, não
havia nenhum estudo voltado para a produção de medicamentos. Trata-se de
uma matéria-prima barata, feita a partir do caroço da fruta, e atóxica,
que não causa nenhum tipo de irritação nas mucosas.
No momento, o sistema de liberação
controlada feito com o murumuru está sendo submetido a análises
físico-químicas. Se for bem-sucedido, passará por outras avaliações para
ser produzido comercialmente. Após essa fase, a ideia é estabelecer
parcerias com as comunidades locais para a criação de uma cadeia
produtiva que siga da planta aos medicamentos na região. “Não só a
instituição será beneficiada, mas também aquela comunidade que está
plantando a matéria-prima. Isso nos torna, de fato, um país que um dia
pode pensar em desenvolvimento tecnológico, que saia daquela escala de
produtor de commodities. Vamos produzir a matéria-prima e também o produto acabado”, conclui Kariane.
Como vai funcionar o gel ginecológico
- Ao invés de ser usado de sete a dez
dias seguidos, como ocorre com os cremes tradicionais, a ideia é que o
gel seja aplicado apenas duas ou três vezes;
- Uma vez no canal vaginal, o gel
entrará em contato com a água presente no fluido vaginal e se
transformará em um cristal líquido biodegradável;
- O gel permanecerá mais tempo no canal vaginal, liberando aos poucos o fármaco que irá tratar a doença;
- A terapia será mais eficaz, com menor frequência de uso e reações adversas.
Luena Barros – Comunicação/UFOPA