Artigo do advogado socioambiental Ismael Moraes
Artigo do advogado Ismael Moraes
Ao escrever o artigo O Pará e os Portos –
Parte I imaginava que ao redigir o prosseguimento, Parte II, iria falar
sobre atitudes edificantes ou, no máximo, fazer críticas construtivas a
algo que o Governo do Pará poderia melhorar. Mas tive que mudar o
título.
É com profunda tristeza que devo falar
em como a corrupção, a tão onipresente, entranhada, inseparável e
invencível corrupção, que está no coração do Governo e acima dos
interesses do Estado e do país, mais uma vez subtrai um valioso bem que
nós paraenses temos, que são os portos naturais, conforme registrei no
primeiro texto.
Eu então exaltei a atitude do Conselho
Estadual do Meio Ambiente, presidido pelo Secretário de Meio Ambiente
Luiz Fernandes, que acolheu por unanimidade o voto do secretário de
Estado de Desenvolvimento Econômico, Adnan Demachki, condicionando a
autorização de construção de porto pela empresa Odebrecht Transport
a que ela apresentasse, em 180 dias, projeto de uma indústria que
verticalizasse a produção de grãos no Pará. “Parece que algumas
autoridades do Estado do Pará começaram a despertar”, registrei.
Mas eis que após mais de um mês
denunciado ao titular da SEMAS acerca de atividades não licenciadas
prejudiciais às comunidades do Furo do Arrozal, com muito custo essa
Secretaria apenas emitiu uma Nota Técnica assinada por 2 engenheiros: um
documento que garante que a multinacional norte-americana Bunge
Alimentos S/A, flagrada instalando boias autorizadas pela Capitania dos
Portos, mas que agiu fora da lei, possa aportar barcaças de soja fora do
porto licenciado para tal fim.
E pior: que a empresa possa fazer isso
violando a previsão do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de
Impacto Ambiental (EIA/RIMA), estudos que preveem a inexistência de
nenhum impacto, sequer indireto, no local em que estão as boias à espera
das barcaças. Esses requisitos das licenças ambientais foram assumidos
pela Bunge Alimentos S/A, sucedeu a empresa Rio Túria, vendida pelo
atual Secretário de Estado de Transportes do Governo Jatene Kleber
Menezes à empresa norte-americana, da qual é o operador no Governo. A
diferença de tratamento evidenciadas pelas exigências que o COEMA impôs,
por meio do voto de Adnan Demachki, à Odebrecht, frente à depravação
como a Bunge se apropria do patrimônio público no Pará demonstra como as
estruturas do Estado são azeitadas para a camarilha que está no poder
subtraindo os direitos da sociedade.
E pior: afirma a Nota Técnica que
inexiste risco de poluição com a colocação das boias, mesmo com um laudo
do Instituto Evandro Chagas (isso mesmo, uma das maiores instituições
científicas do mundo!) dizendo que as barcaças da Bunge Alimentos não só
esterilizaram como tornaram nocivas para o meio-ambiente e a saúde
humana as águas daquele rio após terem despejado por mais de 1 (um) ano
chorume de soja podre diretamente no curso, o que foi flagrado por
equipe de fiscalização da própria SEMAS.
E pior: mesmo estando a Bunge Alimentos
violando o EIA/RIMA, passou ainda a utilizar fraudulentamente uma
recente Licença de Instalação da própria SEMAS que previa a colocação de
boias para um local a 6 km (isso, 6 mil metros) de distância de onde
está ocorrendo a degradação.
E pior: afirmando tal Nota Técnica que a
SEMAS não tem atribuição para licenciar atividades no leito de rios,
conforme prevê a Lei Complementar nº140/2011, apesar de a própria
Capitania dos Portos ter condicionado que a autorização por ela dada só
teria validade com a licença ambiental da autoridade competente (no
caso, a SEMAS).
Ou seja, não tem sentido escrever artigo
falando sobre a governança de “portos no Pará”, porque hoje com a
incrível Nota Técnica qualquer um que queira levar e buscar produtos –
inclusive bois vivos! – pelos rios do Pará não precisa licenciar portos:
basta obter da Capitania uma autorização, que será concedida, porque a
Marinha está pouco se importando com poluição, com contrapartidas ao
Pará ou se alguma comunidade será vitimada. Após receber uma autorização
da Capitania, basta colocar boias onde se bem entender. Após isso,
pode-se poluir se quiser também; pode-se acabar com a vida de
comunidades; violentar as meninas trocadas por comida com as
tripulações, porque se repetirá o que a Bunge fez por mais de um ano no
Furo do Arrozal, quando as barcaças arrancaram os açaizais e as redes de
pesca, poluiu e escasseou peixe, camarão e açaí.
Três pessoas morreram contaminadas pelas
barcaças da Bunge, mas o Governo do Pará pôde empurrar o caso para
debaixo do tapete, diferente do caso dos bois em que buscou culpados
para os desvios e incompetências da própria SEMAS. Quando as barcaças
causarem mais mortes por contaminação e naufrágios, que serão os
culpados da vez?
A Nota Técnica da SEMAS vai de encontro a
toda pirotecnia punitiva que contabiliza mais de 1 bilhão de reais em
multas contra as empresas envolvidas no naufrágio do Navio Haidar, onde
pereceram 5 mil bois, porque quem não tem atribuição para licenciar, não
pode multar. Ou seja, a Nota Técnica servirá de elemento de defesa para
as acusadas e causará mais de 1 bilhão de reais de prejuízo ao Estado!
Um fio de esperança aos contribuintes e à
sociedade paraenses é o fato de que essa Nota Técnica da SEMAS é pura
falsidade ideológica do início ao fim, que será objeto de inquérito
policial e Ação Civil Pública Ambiental através de 8 (oito) associações
de comunidades, pescadores, coletadores de açaí, barqueiros e
agricultores do Furo do Arrozal e da Ilha Trambioca. Também se pode
esperar que alguma autoridade honesta da própria SEMAS possa
desaprová-la, ordenando que outra equipe reanalise o caso, punindo
exemplarmente os seus autores?
Se isso não acontecer, para que eu não
me senta tão idiota pelo artigo que escrevi, e diante desse crime
organizado estabelecido na SEMAS, terei motivos para escrever os
seguintes títulos: “O Pará e os Porcos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, enfim…..
Fonte: RG 15\O Impacto