As áreas protegidas têm um papel importante do dia a dia das pessoas, embora que nem todo mundo se dê conta disso. Ainda.
Áreas protegidas são o nome genérico que
se dá a unidades de conservação (parques, florestas, reservas), terras
indígenas e territórios quilombolas. São protegidas por lei as Reservas
Legais e Áreas de Preservação Permanente. As leis que criam essas áreas
podem ser federais, estaduais ou municipais. Já as outras categorias de
áreas protegidas ocorrem apenas no âmbito federal, como os territórios
indígenas.
As áreas protegidas têm um papel
importante na conservação da diversidade de vida existente, seja nas
áreas terrestres ou marinhas. E já está mais do que provado que nestas
áreas a natureza está bem mais cuidada do que fora delas. Há mais
carbono estocado, mais espécies da fauna e flora abrigados de uma
eventual extinção. Ao manter grandes áreas com vegetação nativa, as
áreas protegidas tornam-se essenciais para manter em equilíbrio o regime
hídrico, desde o provimento de chuvas até o abastecimento de mananciais
que garantem a sobrevivência do homem – e dos demais seres – no campo e
nas cidades.
É ainda nas unidades de conservação que
são feitas importantes pesquisas que ajudam a ciência a avançar em busca
de respostas para dramas humanos, como a cura de doenças ou os efeitos
do aquecimento global para a vida na Terra. E por falar em clima, os
cientistas já comprovaram o papel que as florestas têm na regulação
temperatura local e mesmo em âmbito global. Tente imaginar-se vivendo em
um deserto.
Sejam públicas ou privadas, as áreas
protegidas também servem como fonte de lazer e recuperação da vitalidade
para os seres humanos, dando a chance para que as pessoas possam
descansar e contemplar junto à natureza. Também são estímulo aos que
buscam na aventura uma fonte de inspiração a mais para seguir vivendo.
Uma área protegida pode ser a referência cultural para povos e
comunidades que têm nestes locais o espaço ideal para reverenciar a
memória ancestral e cultuar o sagrado.
Criar e conservar as áreas protegidas é
um dever do Estado brasileiro, previsto na Constituição Federal. Ter
essas áreas protegidas é ainda um direito do cidadão. O Brasil assumiu
internacionalmente junto à Convenção da Diversidade Biológica das Nações
Unidas o compromisso de ter, no mínimo, 20% de todos os biomas
(Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e Zonas Costeiras e
Marinhas) protegidos até 2020. E ainda falta muito para cumprirmos esta
meta.
O Cerrado, que já perdeu mais da metade
de sua cobertura vegetal nativa, tem menos de 8% protegidos por lei
federal. A Caatinga, cerca 7,5%. Na zona costeiro-marinha, o percentual é
ainda menor: 1,5% por cento apenas está protegidos por lei.
E ainda tem gente querendo reduzir as áreas protegidas.
O Brasil, além de viver uma crise
política e econômica, passa por uma crise também no que toca ao futuro
de suas áreas protegidas. É um paradoxo. O mesmo Estado que deveria
assegurar o direito de todos a ter essas áreas protegidas está
promovendo um desmanche nesses territórios essenciais para vida na
Terra. Recente documento produzido pelo WWF-Brasil alertou para o fato
de que o Brasil vive uma ofensiva sem precedentes às áreas protegidas.
Pressões para desfazer ou diminuir o tamanho ou o status de proteção de Unidades
de Conservação estão sendo promovidas por integrantes do Congresso Nacional, sensível ao lobby dos setores ruralista e de mineração. E geralmente com apoio explícito de setores do governo federal. A ameaça paira sobre cerca de 10% do território das unidades de conservação federais, numa estimativa conservadora.
de Conservação estão sendo promovidas por integrantes do Congresso Nacional, sensível ao lobby dos setores ruralista e de mineração. E geralmente com apoio explícito de setores do governo federal. A ameaça paira sobre cerca de 10% do território das unidades de conservação federais, numa estimativa conservadora.
O ataque contra as áreas protegidas
vai de Norte a Sul do país e envolve uma área de cerca de 80 mil de
quilômetros quadrados, quase o tamanho da Áustria, ou de Portugal.
O conflito de interesses não é novo. De
um lado, estão produtores rurais que ocupam irregularmente ou gostariam
de ocupar essas áreas protegidas, empresas de mineração ou grileiros de
terras públicas. De outro, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação
(SNUC), que colocou o Brasil ao final da década passada na posição de
líder mundial em extensão de áreas protegidas.
Na medida em que um dos lados ganha mais
força, o impacto nas áreas protegidas pode resultar em mais
desmatamento da Amazônia, com prejuízo às metas brasileiras para a
redução das emissões de gases de efeito estufa na Convenção do Clima
das Nações Unidas, além de implicar o desmonte do Programa Áreas
Protegidas da Amazônia (ARPA) e ameaçar o cumprimento dos compromissos
assumidos pelo na Convenção da Diversidade Biológica (CDB).
Moeda de troca
Mas o governo esquece tudo isso e usa
áreas protegidas estratégicas para a conservação e para evitar o avanço
do desmatamento para transformar áreas protegidas em moeda de troca por
apoio político. Pois nesta semana, o governo voltou à carga ao
apresentar ao Congresso Nacional um projeto de lei que amputa cerca de
350.000 hectares da Floresta Nacional do Jamanxim, no sudoeste do Pará.
O novo projeto substitui a Medida
Provisória 756, que transformaria 486.000 hectares da Floresta Nacional
do Jamanxim em Área de Proteção Ambiental (APA) para beneficiar,
principalmente, grileiros que ocuparam área de forma irregular. Essa MP
chegou a ser vetada pelo presidente Temer no mês passado depois de forte
pressão internacional. Porém, ao anunciar o veto às vésperas da viagem
de Temer à Noruega, o ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho,
antecipou, por meio de um vídeo, que havia um acordo feito com os
parlamentares da região. O corte na Flona retornaria por meio de um
projeto de lei com anuência do Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade (ICMBio), gravou o ministro.
Promessa cumprida, o PL tramita em
regime de urgência na Câmara dos Deputados, o que faz com que ele pule
etapas e evite uma serie de questionamentos a que um projeto comum teria
de se submeter.
Com isso, prevalecem os interesses e os
pleitos apenas dos parlamentares da região Norte ligados aos setores do
agronegócio e mineração e ao interesse de grileiros que, em sua maioria,
chegaram à região após a criação da área protegida, em 2006. Nenhum
interesse público mais amplo entra neste jogo.
É que no atual contexto político de um
governo encantoado por graves denúncias, o presidente Temer precisa de
votos para se livrar de um eventual processo por corrupção passiva, o PL
é uma moeda de troca com bancada ruralista. É o velho toma lá dá cá.
Mas tanto a Medida Provisória 756 quanto
o novo projeto de lei sinalizam na mesma direção, incentivando novas
ocupações, dando indicação clara de que basta ocupar áreas públicas que o
governo sempre dará um jeitinho de regularizar a situação.
Enquanto isso, o futuro das nossas áreas protegidas segue ameaçado.
Por: Jaime Gesisky (especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil)
Fonte: Revista Época