sexta-feira, 4 de agosto de 2017

ETE Mapiri pode causar uma catástrofe ambiental

O lago do Mapiri já foi um dia uma das mais belas paisagens de Santarém. Lugar onde outrora, famílias inteiras costumavam tomar banho e usar sua praia como recreação; sem falar que existia uma grande fartura de peixes, onde era um deleite para os pescadores das proximidades, levavam o precioso alimento para casa ou comercializavam. Mas o que vemos hoje é o retrato do descaso, um desrespeito contra natureza e as pessoas, e pior, pode se tornar uma catástrofe ambiental, ocasionado pela presença desagradável da Estação de Tratamento de Esgoto do Mapiri (ETE), que está despejando dejetos dentro do lago. Para falar sobre esse assunto, o diretor do Sindicato dos Urbanitários de Santarém, Narciso sena, concedeu entrevista exclusiva à TV Impacto e ao Jornal O Impacto. Confira a entrevista na íntegra:
Jornal O Impacto: A ETE Mapiri está instalada bem no final da Av. Borges Leal, praticamente dentro do Lago do Mapiri. Em certo momento visitamos o local e tivemos a oportunidade de ouvir alguns moradores, os mesmos muito desapontados, expressaram toda angústia que vivem diariamente com a presença da Estação de Tratamento, sendo que a pior das reclamações é referente ao insuportável odor que sai da ETE, sem falar das espumas que saem das máquinas e caem nas casas a todo momento. Na sua opinião, quais benefícios e malefícios a ETE tem trazido para aquela população?
Narciso Sena: Primeiramente, quando a Estação começou a ser construída, no início do governo da ex-prefeita Maria do Carmo, nós já apontávamos os problemas. Primeiro, que o local era errado, pois bem ao lado nós temos uma reserva ambiental onde justamente está localizado o Lago do Mapiri, área onde algumas pessoas da região exerciam atividades de pesca. Segundo, quando você imagina uma Estação de Tratamento de Esgoto em qualquer cidade, qualquer engenheiro não precisa nem ser um expert para analisar a situação, imagine uma ETE que vai desaguar no rio, ou seja, ela é colocada antes da cidade. O modelo de uma ETE foi feito para tratar o esgoto em torno de 85% a 90%, o restante chamamos de efluente e resíduo que é desaguado na própria natureza, que se encarrega de filtrar. Mas você faz uma Estação, ela joga o esgoto que passa por toda a frente da cidade, isso é imperdoável. O equívoco erro começou desde o planejamento do projeto; outro ponto importante, ela está numa área de população muito densa, se tornando uma situação muito difícil e complicada de se resolver, porque não tem como uma ETE não gerar algum impacto. É impossível isso. O que está sendo tratado ali são fezes humanas, água podre que podemos chamar de esgoto residual, ou seja, água servida, água que sai de esgoto sanitário, água de pia e etc. Toda essa água cai no esgoto, é canalizada para a ETE, e lá é feito o tratamento e posteriormente devolvida à natureza em torno de 85% a 95% tratada, desde que tudo esteja funcionando de forma correta, que por sinal não é o nosso caso. Não é a primeira vez que nós fazemos essa denúncia. Eu recordo que ano passado, ainda na gestão do ex-prefeito Alexandre Von, nós fizemos uma denúncia com a Associação de Moradores do Mapiri. Nosso companheiro Rivelino nós convidou para uma palestra e juntos entramos com uma ação no Ministério Público com relação a isso. O próprio esgoto em si gera um gás que começa a irritar a pele, provoca asfixia, pode provocar até mesmo uma parada cardíaca se muito inalado. É um tipo de gás que faz mal à saúde das pessoas. Isso nos levou ao Ministério Público Estadual e Federal, e apontamos os erros. Na época, eu lembro com perfeição a frase que foi dita pelo então Secretário de Infraestrutura, que “a Cosanpa não tinha funcionários habilitados e capacitados para operar o sistema”, e nós apontamos os erros que deixavam claro que a ETE ainda não estava em condições de ser entregue. Infelizmente parece que a coisa não fluiu, as denúncias foram feitas, mas as ações não foram implementadas. Eu recordo que na época os moradores denunciaram muito, inclusive fez o então presidente da Cosanpa e o Prefeito assinarem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), para justamente melhorar o serviço. Nós apontávamos que a ETE não tinha condições de entrar em operação, por conta de todos os problemas, sendo que até hoje não está pronta para entrar em operação. O que ocorreu de fato, é que estávamos em vésperas de uma eleição, campanha política em pleno andamento, se uma obra daquelas funcionasse 100%, seria o maior presente que Santarém iria receber. Eu até apontei que era um presente de grego. Nós tínhamos um Residencial com 3081 unidades habitacionais a serem entregues, inclusive estávamos no auge na questão do impeachment da Dilma, as casas estavam lá prontas para serem entregues, mas a distribuição estava parada porque a Estação de Tratamento de Esgoto, que atende o Residencial, não estava pronta; inclusive a empresa Atacadão para se implantar no Município exigiu na época que teria que ser interligada uma rede de esgoto. A Prefeitura, na época, mandou abrir o esgoto e jogar na mesma rede que passa na Fernando Guilhon, que vem lá do Residencial Salvação. Foi interligado, o Residencial Salvação foi inaugurado e a ETE começou a operar de forma precária. Nós apontávamos que tinha erros no dimensionamento da rede, que não iria suportar a carga de esgoto, porque até então só tinha o Residencial Salvação, mas o projeto envolvia em si, todo o esgoto daqui da orla da cidade, do centro a cidade, bairros do Mapiri e Caranazal. As obras do centro da cidade não foram inauguradas, tanto é que fizeram uma rede de esgoto completa que cortou a Avenida Tapajós de ponta a ponta, mas não foi feita a Estação Reservatória de Esgoto, que era para ser feita perto do Hospital da Unimed, em um terreno baldio, onde ficaria localizado o reservatório, o esgoto caia ali e de lá seria bombeado para a ETE Mapiri, através de uma rede que vem pela Marechal Rondon. Essa parte nem sequer chegou a ser terminada, mesmo assim inauguraram a ETE. Na época, o próprio corpo técnico da Cosanpa que fiscalizou a obra aqui de Santarém fez a ressalva que a ETE não estava pronta, mas por conta de um acordo político feito em Belém com o Governo do Estado, teve que ser recebida a obra. Mas eu me lembro direitinho a frase que disseram para gente: “Ela está sendo recebida de forma emergencial, mas precisam ser feitas algumas correções”.
Jornal o Impacto: A ETE Mapiri foi abandonada pelo poder público?
Nasciso Sena: Nos dois últimos períodos chuvosos que ocorreram, nós apontamos sempre que a rede que traz o esgoto até a ETE estava comprometida. Você pode andar pelo Mapiri inteirinho e vai ver os PVs (Poços de Visitas) que se encontram todos arrebentados, jogados ao vento, onde cai lixo sendo canalizado para rede esgoto e vai bater lá na ETE. Choveu tanto no período passado como também agora, que soterrou quatro conjuntos motobombas de lá, pois quando o esgoto cai na ETE, cai numa cisterna, que tem um conjunto de quatro motobombas, que ficam penduradas bombeando esse esgoto lá para cima para o tratamento. Quando houve o soterramento desses bombeadores, para resolver a situação, a Cosanpa fez uma “gambiarra”; pegaram um mangote de plástico de 5 ou 6 polegadas, ligaram em uma bomba, chamada de bomba bilbo e jogaram lá dentro da cisterna, aonde fica pendurado por uma corda. Ela acaba bombeando esse esgoto para ETE, por conta disso ela não consegue suprir a necessidade. O que cai de esgoto é maior que a capacidade que essa bombinha tem para tratar, ou seja, parte do esgoto é uma cisterna que tem um extravasor, igual o sistema de caixa d’água que quando chega em um certo nível que ela enche e começa a extravasar, ela tapa, para evitar que a mesma transborde. A mesma coisa acontece na ETE, existe uma cisterna que quando chega a um certo nível ela tapa e passa a jogar resíduos in natura bem atrás da estação, mais precisamente na beira do lago. Infelizmente, é isso que está ocorrendo, sendo que quando o rio está cheio, a água borbulha, ou seja, o esgoto está sendo despejado in natura. Por mim, a Cosanpa nem deveria ter recebido a obra, mas por conta de questões políticas, recebeu a situação, mas essa ação ao meu ver chega mais irresponsável que outra coisa. No Residencial Salvação tem uma cisterna, que por sinal fica bem na frente do conjunto, que quando chega a um certo nível não bombeia o esgoto, ela também tem um extravasor, e adivinha onde é jogado esse extravasor? No Igarapé do Juá! A maioria das pessoas não sabe, não tem como arrancar a ETE do local onde ela se encontra.
O Impacto: Qual seria a solução, no seu ponto de vista técnico, para o fim desses problemas?
Narciso Sena: A solução era fazer os reparos técnicos necessários para ela funcionar, que há muito tempo foram prometidos. Primeiramente teria que resolver o problema do emissário, para jogar a água tratada num raio de 200 metros adentrando o leito do rio, isso já amenizaria o impacto; segundo, você vai ter que corrigir aquela situação das quatro motobombas soterradas; terceiro, você vai ter à disposição o tempo todo um produto químico para evitar aquela espuma e o mal odor que ela solta. Na realidade, a espuma é um resultado de uma reação química do próprio esgoto quando entra em contato com o oxigênio. Trata-se de uma tratamento aeróbico e anaeróbico, quando se injeta oxigênio onde não tem oxigênio, as próprias bactérias provocam uma reação química que vai se decompor fazendo o tratamento do esgoto. Essa reação produz aquela espuma, só que existe um produto químico que a gente usa para evitar tanto o odor quanto as espumas. Ultimamente, acho que uns quatro ou cinco meses atrás, não está havendo repasse desse produto químico, os companheiros estão lá e só estão operando e fazendo o tratamento convencional, que não é a contento. Aliás, se não está tratando, ela não está dando conta do vazamento que está tendo. Tenho quase certeza que não só o Residencial Salvação hoje, está interligado, como o Atacadão e muitas residências se interligaram. Como não tem fiscalização, as pessoas se interligam, os PVs (Poços de Visitas) estão todos abertos, a água da chuva quando cai traz lixo, plástico, pet e outros que vão bater lá na ETE. O caso mais absurdo aconteceu agora durante a cheia do rio, nós apontávamos que aquele local ia para o fundo toda vez que o rio enchia, em 2009 eu me recordo que tinha uma casa antiga nas proximidades da ETE, em que a água chegou a uns 2 metros da parede, inclusive o morador saiu de lá. Nós visitamos na época, antes de inaugurar a ETE, foi até um engenheiro que não posso citar o nome porque ele pertence ao Governo do Estado, e disse: “Eu posso até estar errado, mas pelo georeferenciamento que fiz, baseado na última grande cheia de 2009, se houver um cheia igual àquela, a ETE irá ficar de um metro e meio a dois metros abaixo do nível do rio”. Esse ano a cheia não chegou a isso, se você fosse ver a cisterna, como já entramos lá para olhar, estava cheia de puraquê morto. Eu tenho certeza que eles não caíram de para quedas lá, eles adentraram pelo próprio esgoto e foram parar na cisterna, ou seja, a própria cisterna estava abaixo do nível do rio, estava caindo água do rio para dentro da cisterna. O que podemos analisar é que ela não estava tratando nada, estava tendo contato direto com o rio. Esse tipo de absurdo a gente denuncia, pois pra mim é um descaso com o dinheiro público, porque os 52 milhões de reais que foram investidos naquilo ali, não foi dinheiro de políticos, foi dinheiro meu e seu, da dona Maria que mora lá perto, do seu João, ou seja, dinheiro dos nossos impostos jogados lá dentro. E quem vai pagar esse prejuízo todo seremos nós novamente.
Jornal O Impacto: Na sua opinião, nós chegamos ao ponto que existe de fato uma solução. Quais os órgãos responsáveis que poderiam resolver esse problema?
Narciso Sena: Primeiramente tem de ter uma ação conjunta, porque, na realidade, a obra pertence à Prefeitura de Santarém, foi entregue de forma provisória à Cosanpa. Segundo, a Cosanpa tem de padronizar o emissário, a correção da rede de esgoto, ou seja, tem de haver ações conjuntas entre o Governo Municipal e Governo do Estado, via Cosanpa, porque a empresa que é contratada para gerenciar os serviços é a Cosanpa. A Secretaria de Infraestrutura e Secretaria de Meio Ambiente devem fiscalizar, são esses órgão que devem agir. Lógico, os moradores podem entrar com uma Ação Civil Pública, que acho até correto e, o Ministério Público pode intervir. Mas, de imediato, são esses órgão que mencionei.
Por: Jefferson Miranda

Fonte: RG 15/O Impacto