O Brasil possui mais de 12 milhões
de empreendimentos – mas poderia ter muito mais, não fossem entraves
alarmantes para a criação e manutenção de empresas.
Essa percepção geral é reforçada nos estudos da Endeavor, organização mundial de fomento ao empreendedorismo.
Para mudar esse quadro e fazer o Brasil finalmente subir nos rankings
de ambiente de negócios, a Endeavor quer aproveitar o sentimento de
mudança gerado pelas eleições de 2018 para a Presidência da República.
A organização criou, então, sua “Agenda
para o Alto Crescimento”, reunião de quatro medidas básicas que trariam
ganhos substanciais ao empreendedorismo brasileiro. O documento, que tem
como mote “descongestionar o Brasil”, empresários como Beto Sicupira
(3G), Jorge Paulo Lemann (3G), Pedro Passos (Natura), Rodrigo Galindo
(Kroton) e Sonia Hess (Dudalina).
Em parceria com a consultoria BCG, a
Endeavor enviou um questionário a 25 mil empreendedores de sua rede, que
listaram os problemas que mais afetam suas empresas. As 2.500 respostas
recebidas se juntaram a 35 entrevistas profundas feitas anteriormente
com Empreendedores Endeavor, donos dos negócios inovadores que mais
crescem no país (ou “scale ups”). Tais questionários e
entrevistas geraram uma lista de 75 problemas, selecionados pela
quantidade de citações e agrupados nas quatro grandes medidas.
Elas serão, agora, discutidas com as equipes que elaboram o programa dos candidatos à Presidência da República.
Veja, a seguir, 4 medidas fáceis que fariam o Brasil empreender mais:
1 — Abrir, regular e fechar empresas de forma mais simples
Não é novidade que abrir, manter e
fechar uma empresa em solo brasileiro é uma tarefa complexa. Há várias
instâncias governamentais que realizam diferentes partes desses
processos, o que o tornam mais burocráticos e custosos.
Estima-se que o empreendedor brasileiro
demora 80 dias para iniciar as atividades comerciais na sua empresa,
contra 24 dias na vizinha Argentina e algumas horas na exemplar Nova
Zelândia. Contando com documentos de regularização, como alvará de
construção e registro de imóveis, esse tempo pode subir para 450 dias.
Na hora de fechar um empreendimento, os
problemas podem ser ainda maiores com as irregularidades geradas durante
a operação. No brasil, há 3,7 milhões de CNJPs com baixo nível de
atividade, que provavelmente não foram encerrados devido a alguma dívida
no pagamento de impostos.
Tantos entraves reduzem a quantidade de
pessoas se tornem empreendedoras e, com isso, limitam o desenvolvimento
do país e de seus habitantes. Segundo estudo publicado na Quarterly
Review of Economics and Finance, se os procedimentos e atrasos fossem
reduzidos à metade no Brasil, o aumento da renda per capita no longo prazo seria de 25%.
Para resolver a abertura, manutenção e
fechamento de empresas, a Endeavor propõe primeiro incluir na Rede
Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e
Negócios (Redesim) a adesão obrigatória para capitais e municípios de
médio e grande porte. Deverão ser implementadas regulações como um
sistema único de abertura, alteração e baixa de empresas; a padronização
e simplificação de processos de registro e legalização; a consulta do
andamento de cada processo pelos empreendedores; e, por fim, a redução
dos dias de cada pedido.
O prazo de implementação dessas mudanças
deverá ser de até três anos. Capacitações e treinamentos deverão ser
feitas com órgãos estaduais e municipais ao longo desse tempo.
2 — Deixar de gastar tanto tempo decifrando impostos
Outro grande problema do
empreendedorismo no Brasil diz respeito à carga tributária e à
dificuldade em pagar esses impostos. Segundo o relatório Doing Business,
do Banco Mundial, o Brasil aparece em 181º lugar no quesito pagamento
de impostos, à frente apenas de Bolívia, Venezuela e alguns países
africanos.
No Brasil, são gastas 1.958 horas por
ano, ou cerca de 80 dias, para que uma empresa preencha os documentos
necessários e pague os impostos devidos. Em um país economicamente
similar, como o México, são necessárias 240 horas anuais.
A complexidade tributária cria barreiras
para a entrada de negócios, inclusive estrangeiros, e abre margens para
a interpretação das leis. Alguns efeitos são o favorecimento de
empresas maiores, que negociam vantagens tributárias, e o incentivo à
guerra fiscal entre estados brasileiros. As atualizações tributárias e
as consequentes inseguranças jurídicas, para o pequeno empreendedor,
aumentam o medo de errar e ter processos e custos tributários não
previstos. Cerca de 86,2% das empresas brasileiras possuíam
irregularidades com algum órgão federal em 2017, diz o estudo Burocracia
no Ciclo de Vida das Empresas.
Como medidas, a Endeavor propõe aprovar
uma reforma tributária que institua o cadastro fiscal único da pessoa
jurídica; criar um imposto único sobre bens e serviços, que englobaria
ICMS, ISS, IPI, PIS e COFINS; desonerar completamente exportações e
investimentos; analisar e revogar regras tributárias contraditórias;
fixar sanções para órgãos do poder público responsáveis pelo
descumprimento de consolidação anual da legislação tributária; a revisar
a política de concessão de benefícios e isenções fiscais com avaliação
periódica e sistemática, com foco em produtividade e competitividade.
3 — Promover acesso a capital para pequenas e médias empresas
A falta de recursos financeiros é
apontada como um dos três principais desafios dos empreendedores
brasileiros, segundo o estudo Desafios dos Empreendedores Brasileiros.
Não é um problemas apenas de capital,
mas de obstáculos para o acesso a ele – garantias, juros altos e grande
quantidade de documentos e requisitos. Para conseguir empréstimos em
entidades privadas, como bancos, e entidades públicas, como o BNDES, a
documentação exigida e a avaliação é minuciosa em um grau que apenas
grandes empresas conseguem dar conta, de acordo com a Endeavor, diante
de custos administrativos, de monitoramento e de garantias. Segundo o
IPEA, a eliminação de custos administrativos elevaria o PIB per capita
brasileiro em 7%, via aumento de número de firmas com crédito; com
menor custos de monitoramento, o avanço seria de 2,4%; e com garantias
colocadas nos níveis de países desenvolvidos, 12%.
Algumas propostas são tornar o processo
de análise e concessões de empréstimos nos bancos públicos e agências de
fomento mais transparente, padronizando documentos e exigências, e
aprimorar a gestão de risco para um tratamento diferenciado por porte de
empresa, priorizando crédito a tomadores com maiores dificuldades no
mercado privado.
Outra bandeira é agilizar a execução e
aperfeiçoar a Lei de Recuperação Judicial, garantindo mais segurança
jurídica aos credores, e o cadastro positivo do Banco Central. Por fim, a
regulamentação das fintechs deve ser cada vez mais desenvolvida de
forma a aumentar a concorrência bancária e, com isso, a oferta de
crédito.
4 — Reduzir o tempo que uma ideia demora para ser protegida
Ainda que nem todas as empresas sejam
revolucionárias, as que possuem a tecnologia ou seu produto como
diferencial devem buscar a proteção de suas propriedades por meio de
patentes e registros de marca. Com esse controle, a inovação pode servir
de base para outros produtos enquanto remunera aqueles que de fato
investiram em seu desenvolvimento.
Embora as patentes tenham duração entre
15 a 20 anos, o empreendedor brasileira espera, em média, 10 anos apenas
para obter sua concessão. Na China, esse período é de 1,9 anos.
Atualmente, há 225.115 pedidos de patentes e 358.776 registros de marcas
para serem avaliados no INPI (Instituto Nacional da Propriedade
Industrial). Há empreendedores brasileiros que registram primeiros suas
patentes fora do país, pela agilidade no processo e o medo de que sua
ideia seja copiada logo.
Para resolver isso, a Endeavor propõe
reestruturar a gestão do INPI, automatização e otimizando sua gestão
para zerar o banco de patentes e reduzir o tempo de concessão para 24
meses. Além disso, seria preciso estabelecer acordos de cooperação
técnica com importantes escritórios internacionais para acelerar a
análise e a revalidação de patentes concedidas no exterior e aderir ao
Protocolo de Madri, que centraliza procedimentos de proteção de marcas
em outros países com foco e poderia reduzir custos nesse aspecto ao
Brasil.
Histórico
A Endeavor realiza estudos sobre a
relação dos empreendedores com a esfera pública em 2012, com um estudo
sobre educação empreendedora. Dois anos depois, lançou seu primeiro
Índice de Cidades Empreendedoras. Com a campanha “Mais Empreendedores,
mais empregos” para as eleições de 2016, questionou a agenda voltada ao
empreendedorismo de possíveis prefeitos e vereadores. A Agenda para o
Alto Crescimento é a primeira iniciativa da Endeavor voltada a políticas
públicas de nível federal.
Fonte: Portal Exame