
Sete notas
fiscais (NFs) com indícios de fraude foram usadas pelo Instituto de
Capacitação e de Desenvolvimento Profissional e de Assistência Social
Mercina Miranda nas prestações de contas dos R$ 2,6 milhões que recebeu
da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e do Governo do Estado. O
Instituto foi criado pelo presidente da Alepa, deputado estadual Márcio
Miranda, em homenagem à mãe dele e está sediada no município de
Castanhal.
Quatro dessas
NFs foram emitidas por uma empresa que já se encontrava extinta, segundo
a Receita Federal. As outras três NFs apresentam valores superiores à
soma dos produtos que foram adquiridos e pertencem a duas empresas que
seriam fantasmas. Todas essas empresas forneceram milhares de materiais
médicos ao Instituto. E ainda há pelo menos oito NFs em poder do DIÁRIO
que também podem ser fraudulentas.
Como você leu
na edição do DIÁRIO de 05 de agosto deste ano, só kits de Papanicolau,
para exames de prevenção do câncer uterino (PCCU), o Mercina Miranda
afirma ter adquirido mais de 34 mil, entre 2008 e 2010, com os recursos
públicos que recebeu. No entanto, os números da própria Instituto
indicam que ele não realizou nem mil desses exames. E mais: nesta
semana, o DIÁRIO localizou mais um convênio no qual o Instituto alega
ter comprado outros 5.600 kits de Papanicolau, o que eleva para 40 mil a
quantidade desses materiais.
A entidade
também teria comprado milhares de seringas, máscaras descartáveis,
medicamentos e equipamentos para administração de soro. Mas no CNES, o
cadastro nacional de estabelecimentos de Saúde, ela só possui uma
unidade móvel com dois profissionais cadastrados: uma dentista e uma
técnica em enfermagem. E na Receita Federal as atividades que registrou,
de defesa de direitos sociais e ligadas à arte e à cultura, não
mencionam atendimentos em Saúde.
COINCIDÊNCIAS
O Ministério
Público já abriu inquérito para investigar o Instituto, depois de
encontrar indícios de que Márcio Miranda e empresas da família dele
teriam se beneficiado dos recursos públicos repassados a essa entidade.
Segundo a Receita Federal, a Atlas Comércio de Artigos de Medicamentos,
Armarinho e Papelaria Ltda foi baixada/extinta, por liquidação
voluntária, em 19 de maio de 2010. No entanto, o DIÁRIO localizou quatro
notas fiscais emitidas pela empresa, em favor do Instituto, após essa
data: as NFs 1340 e 1341, ambas datadas de 28 de maio de 2010; e as NFs
1348 e 1349, datadas de 28 de junho de 2010. As quatro NFs somam R$
10.592,32 em valores da época (R$ 17.299,09 atualizados pelo IPCA-E do
mês passado).
Além da
semelhança da caligrafia, elas foram emitidas em pares sequenciais,
tanto na numeração quanto nos valores. As NFs 1340 e 1341 valem,
respectivamente, R$ 4.161,56 e R$ 1.134,60; idem para as NFs 1348 e
1349. Os materiais adquiridos nas NFs 1340 e 1348, cada uma no valor de
R$ 4.161,56, são idênticos no tipo, quantidade e ordem de listagem. Idem
para as NFs 1341 e 1349, cada uma no valor de R$ 1.134,60.
De outras onze
NFs da Atlas para o Mercina, só duas apresentam esse tipo de
coincidência: as de número 1316 e 1317, emitidas em 31 de março de 2010
(ou seja, pouco antes da extinção da empresa). Elas também valem R$
4.161,56 e R$ 1.134,60, respectivamente.
Segundo o site
da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefa), a Atlas, que funcionava em
Castanhal, tinha como atividade principal o comércio varejista de
produtos farmacêuticos, mas também comercializava um impressionante
leque de mercadorias, tudo também o varejo: materiais elétricos e
hidráulicos, ferragens e ferramentas, eletrodomésticos e equipamentos de
áudio e vídeo, produtos alimentícios, artigos de papelaria, além de
equipamentos e suprimentos de informática.
E mais: no site
da Sefa consta que a empresa só foi baixada em 17 de janeiro de 2011,
ou seja, oito meses após a baixa na Receita Federal. Só da Atlas, o
Mercina Miranda teria adquirido quase 9 mil kits para exames de PCCU.
OS REPASSES
Confira os recursos repassados pelo Governo do Estado e Alepa ao Instituto Mercina Miranda, que o DIÁRIO já conseguiu rastrear.
DA ALEPA
– Convênio 06/2004 – R$ 43, 8 mil
– Convênio 58/2004 – R$ 102,3 mil
– Convênio 03/2007 – R$ 230 mil
– Convênio 004/2008 R$ 290 mil
2009 – R$ 233,5 mil
2010 – R$ 198 mil
2011 – R$ 20,6 mil
TOTAL: R$ 1, 2 milhão2009 – R$ 233,5 mil
2010 – R$ 198 mil
2011 – R$ 20,6 mil
DO GOVERNO DO ESTADO
– 2003 – R$ 335,4 mil
– 2004 – R$ 158,6 mil
– 2005 – R$ 151 mil
– 2006 – R$ 148, 6 mil
– 2008 – R$ 34, 4 mil
– 2010 – R$ 666 mil
TOTAL: R$ 1, 5 milhão– 2004 – R$ 158,6 mil
– 2005 – R$ 151 mil
– 2006 – R$ 148, 6 mil
– 2008 – R$ 34, 4 mil
– 2010 – R$ 666 mil
Endereços em Belém de empresas emissoras de notas não existem
As outras três
notas fiscais com indícios de fraude localizadas pelo DIÁRIO são iguais
na caligrafia, na ordem e quantidade dos produtos listados e até no erro
do valor final. No entanto, foram emitidas por duas empresas
diferentes: a Isaura HP dos Santos e a VHS Comércio e Serviços Ltda.
Segundo a Receita Federal, ambas funcionam na Marquês de Herval, no
bairro da Pedreira, em Belém.
A primeira, no
número 249; a segunda, no número 243. O DIÁRIO esteve no local. O número
243 é uma residência e uma integrante da família disse que há pelo
menos seis anos não funciona empresa alguma ali. Já uma vizinha, que
mora há 28 anos naquela rua, lembrou-se de que ali funcionava uma
gráfica, “mas faz muito tempo, há uns 15 anos, e nunca teve placa”.
Já o número 249
é uma casa de dois andares. Na parte de cima, aparentemente, reside uma
família; na parte de baixo, que estava fechada, os vizinhos lembraram
que funcionou uma fruteira. Antes, teria funcionado “uma ortopedia, que
fabricava prótese”. No entanto, ninguém se lembra de que ali fossem
comercializados medicamentos, “nem havia placa de venda de remédios lá”.
Essas, porém,
não são as únicas esquisitices dessas empresas, que teriam fornecido, só
nessas três notas fiscais, R$ 22.694,40 em medicamentos ao Mercina
Miranda, ou R$ 35.523,87 em valores atualizados pelo IPCA-E do mês
passado. Na Receita Federal, a Isaura HP dos Santos tem o nome de
fantasia de “Espaço Ótico”. Já a VHS tem o nome de fantasia de
“Grafam Gráfica e Editora”
Na Receita, não
há informações sobre quem são os donos da Isaura HP dos Santos. Mas a
VHS tem como sócios-administradores Enielson de Souza Costa e a Mário
Fernando Simões dos Santos Junior. Esse último tem o mesmíssimo nome do
cidadão que representou a Isaura H P dos Santos no Pregão 116/2009,
realizado pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), em 2009,
para a aquisição de equipamento laboratorial, segundo o Diário Oficial
do Estado (DOE) de 10/12/2009.
As notas
fiscais 748 e 1400 foram emitidas, respectivamente, pela VHS e pela
Isaura HP dos Santos. A primeira em 03 de dezembro de 2010 (um dia antes
da data-limite de emissão); a segunda, em 30 de dezembro de 2010. Ambas
se referem à uma grande quantidade de medicamentos adquiridos pelo
Mercina e coincidem na caligrafia e nas quantidades, preços e até na
ordem em que os produtos foram listados – é como se tivessem sido
preenchidas pela mesma pessoa e na mesma ocasião.
Outra NF, a de
número 1394, foi emitida pela Isaura HP dos Santos em 05 de fevereiro de
2011, mas também coincide com as duas anteriores na caligrafia,
quantidades, preços, ordem em que os produtos foram listados e até no
erro da soma: ela também tem o valor final de R$ 7.564,80, quando o
valor real é
de R$ 6.524,80.
de R$ 6.524,80.

Fornecedora não aparece em processo de licitação
O valor total
dessas NFs e a ordem em que os produtos e preços foram relacionados
talvez pudessem ser explicados pelo fato de isso corresponder à proposta
de preço apresentada por outra empresa, a F.T. Mota e Cia Ltda, para o
fornecimento mensal de medicamentos ao Mercina Miranda (R$ 7.564,80), a
serem pagos com recursos de um convênio entre o Instituto e o Poder
Público. Aparentemente, houve licitação.
Mas, no
processo de prestação de contas, só aparecem as propostas de duas outras
empresas: a Atlas Comércio de Artigos de Medicamentos, Armarinho e
Papelaria Ltda (aquela das NFs emitidas após a extinção) e a Comercial
Noronha Ltda. Não há propostas nem da Isaura HP dos Santos nem da VHS. O
mais grave, porém, é que esse orçamento da F.T.Mota e que está em todas
as NFs que ela emitiu na prestação de contas desse convênio,
corresponde ao fornecimento de 20 tipos de medicamentos, mensalmente.
Já nas NFs da
Isaura HP dos Santos e da VHS há apenas 16 tipos de medicamentos. Os 4
medicamentos que faltam somam R$ 1.040,00, que é exatamente o valor
registrado a mais nas notas fiscais 748, 1400 e 1394, para que cada uma
atingisse R$ 7.564,80. E só nessas três NFs o valor pago a maior ficou
em R$ 3.120,00, em valores da época. Mas a Isaura HP dos Santos ainda
forneceu pelo menos outras seis NFs ao Mercina Miranda, e a VHS, outras
duas.
Fonte: Ana Célia Pinheiro/Diário do Pará