sábado, 19 de dezembro de 2009

Ainda me lembro de um de meus primeiros natais.

Por: José Wilson da Fonseca



Tinha eu pouco mais de quatro anos de idade e pedi ao Papai Noel um velocípede.
Na Santarém do início dos anos cinquenta não existiam carros e eu saía fagueiro pelas tardes ensolaradas pedalando, a viajar pelo mundo imenso da rua de casa.
ais tarde chegaram os tempos dos filmes de cowboy no Cine Olímpia do Seu Loureiro e eu queria ser Buck Jones, Rock Lane, Buffalo Bill.
Os presentes eram revólveres de espoleta, chapéu de vaqueiro e coisas do gênero.
Na minha pré adolescência minha mãe dizia que se não me comportasse iria ganhar um “cipó”, ou seja, um pedaço de galho seco que servia para dar surras nos moleques traquinas como eu.
Times de futebol de botão, bolas de futebol e outros brinquedos me alegravam a vida na adolescência.
Um dia, com mais ou menos quinze anos, fui a São Paulo e ganhei de presente a “Pequena História do Mundo para Crianças” de V. M. Hillyer, um compêndio de aproximadamente mil páginas, que contava os fatos em linguagem muito simples e agradável.
Então o mundo começou a se abrir para mim.
Contos Iugoslavos, Pequeno Príncipe, os livros de H.G. Wells, Tesouro da Juventude, Machado de Assis, A. J. Cronin entre outros eram os presentes que o Velho Noel me trazia, todo ano, já que papai não gostava que lêssemos revista em quadrinho (mas mesmo assim líamos às escondidas...)
Mamãe preparava presépios em casa, os vizinhos também, dia de domingo após a missa ficávamos admirando os presépios da vizinhança e o grande presépio da Matriz.
Tudo era belo, santo e inocente.
Tempos depois comecei a cantar no Coro da Catedral santarena, nas missas do galo e nas cerimônias em Latim, as músicas de meu pai, os emocionantes sons do canto-chão, as missas de Palestrina, José Maurício e Tomás Samaí.
Quando me tornei adulto, de vez, os natais perderam a graça e comecei a ver que tudo não passa de dinheiro, sob o disfarce de suposto festejo cristão.
Descobri que o Papai Noel existia de verdade e, como regra, era e é cruel, pois só dá e dava presente que preste pra gente rica.
Quando entrei na magistratura, a toga tornou meus natais ainda mais insípidos, com sabor de salgadinhos, comidas caras e sem graça, uísque importado, discursos de bajuladores e mais um montão de coisas que com o tempo iam me dando nojo, tédio e desgosto da festa natalina.
Certa noite de natal, na década de noventa, fui convidado a passar a festa no Centro Espírita do Nazareno Tourinho.
Foi um dos dias mais felizes de minha vida.
Nem togas, nem bajuladores, nem bebida importada, nem puxa-sacos e nem discursos hipócritas, nem pinheiro travestido de árvore de natal, exibindo seu desconforto cheio de bolas de vidro de bom gosto duvidoso... só a paz... muita paz.
Nesse dia fui convidado para servir os pobres, os mendigos, os estropiados que ali estavam cantando e declamando poesia (!)... sim, saibam que pobre canta e declama, também.
Na hora da ceia fomos – eu também – servir o jantar àquelas pessoas que tinham o verdadeiro brilho de Cristo nos olhos.
Nunca mais esqueci.
u não era nem juiz e nem professor.
Era um simples e muito feliz garçom dos pequeninos, os verdadeiros filhos de Jesus.
Confesso que senti perfeitamente a presença de Cristo ali naquele ambiente.
Este foi o melhor natal da minha vida.