sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

PSA PREOCUPADO COM A SAÚDE DOS RIBEIRINHOS DO TAPAJÓS



Mesmo compreendendo as dificuldades decorrentes da crise econômica mundial – que atinge sobretudo os países doadores de recursos para projetos sociais na Amazonia – lamentamos a carta recebida há algumas semanas da Organização holandesa TERRE DES HOMMES (TDH), proprietária do barco Abaré – solicitando o encerramento ao final deste ano da cooperação iniciada em 2001.

Por outro lado, o fim desta parceria não pode nem deve significar a interrupção da assistência regular de saúde básica aos ribeirinhos do Tapajós, tampouco a saída abrupta do Abaré de nossa região – única embarcação disponibilizada no momento para tais serviços.

Cabe lembrar que com o inicio em 2006 das operações do Abaré pelo PSA em parceria com as Prefeituras da região e apoio do TDH, deu-se um passo significativo na construção de um modelo de atenção básica adaptado à realidade da Amazonia, que veio a se tornar politica publica nacional do Ministério da Saúde em 2010.

Uma vez que o Abaré opera desde janeiro via SUS, liderado pela Prefeitura de Santarém,  esperamos que as tratativas entre a mesma e os holandeses sejam bem sucedidas no sentido da permanência da embarcação em nossa região, contando com apoio do PSA na busca de soluções que garantam a continuidade dos serviços às populações necessitadas – este, o maior compromisso.

Breve Histórico
Desde o inicio de sua atuação, em 1987, o PSA procura somar esforços às politicas publicas para assegurar o direito a saúde e reduzir os níveis de exclusão das populações ribeirinhas da região.

Na busca pela construção de um modelo de atenção básica, lideranças foram capacitadas para o controle social a partir da formação de Conselhos Locais Integrados de Saude;  moradores voluntários foram formados como monitores de saúde se qualificando posteriormente como ACSs contratados pelas Prefeituras; Parteiras e Clubes de Mães foram apoiadas na saúde materno-infantil; realizaram-se inúmeras campanhas educativas de mobilização e prevenção; soluções apropriadas de saneamento básico (pedras sanitárias, filtros, kits de cloro, poços e microssistemas de abastecimento de água) foram implantadas;  entre outras ações que geraram benefícios para mais de 5 ml famílias das zonas rurais.

Em 2006, com o inicio do funcionamento do N/M Abaré, além da continuidade às ações antecedentes, foi possível implementar de forma regular e sistemática os serviços de atendimento em saúde básica, tendo como prioridade mais de 70 comunidades das duas margens do rio Tapajós. Com este incremento e aumento de escala, deu-se o passo que faltava para avançar no modelo iniciado, vislumbrando que o mesmo pudesse um dia ser absorvido pelas políticas publicas, já que não é função das ONGs substituir o estado, ainda mais em se tratando de saúde básica, uma responsabilidade constitucional dos municípios.
No começo, os recursos da operação da embarcação eram praticamente 100% da Holanda, tendo em vista a logística dispendiosa (equipe embarcada, gastos com alimentação, combustível, horas de viagem de barco, medicamentos, exames, etc) para fazer o direito à saúde acontecer nos interiores da Amazônia e a falta de mecanismos públicos arrecadatórios que atendessem essas especificidades de nossa região – lembrando que o padrão SUS se aplica tanto para municípios de SP como do Pará, estes do tamanho de países, sem falar nas carências de transporte, comunicação, energia, etc.
Mesmo cientes das dificuldades financeiras dos municípios para arcar com serviços assistenciais regulares e de qualidade nas zonas rurais, desde o começo das operações do Abaré no Tapajós contamos com as parcerias das Prefeituras onde o barco atua - Santarém, Belterra e Aveiro - que encaminhavam suas equipes de atendimento e se somavam ao quadro contratado pelo PSA (médicos, enfermeiros, dentistas, técnicos de enfermagem) para o difícil desafio de jornadas ininterruptas de atendimento (ás vezes com mais de 20 dias em campo, trabalhando dia e noite) e frequência de retorno a cada 40 dias durante todo ano.
Funcionando nos moldes de um PSF (Programa Saúde da Família) itinerante, o Abaré  implantou programas de saúde da criança, saúde oral, imunizações, pré-natal, PCCU, planejamento familiar, atendimentos médicos, ambulatoriais, exames de rotina e pequenas cirurgias. Soma-se ainda uma equipe de arteducadores para realização de dinâmicas educativas de mobilização e prevenção como ações integradas e complementares às assistenciais.
Ao longo dos anos, os esforços conjuntos do PSA e Prefeituras começaram a dar resultados, com o Abaré viabilizando o acesso regular da saúde básica a mais de 15 mil ribeirinhos, executando mais de 20 mil procedimentos de saúde/ano, obtendo significativa melhora dos indicadores (redução da mortalidade infantil, elevação da cobertura vacinal, etc) e resolutividade de 93%, ou seja, somente 7 a cada 100 pacientes encaminhados em média aos centros hospitalares urbanos.
Esta iniciativa ganhou visibilidade além das fronteiras tapajônicas, com diversos prêmios, publicações, citações na mídia - nacionais e internacionais – tendo recebido visitantes ilustres como o Príncipe Charles,  Ministros de Estado, Governadores, entre outras autoridades, que reconheceram no polo santareno sua capacidade de articular os setores públicos, privados e da sociedade civil na formulação de soluções concretas passiveis também de replicação em outras regiões.

Em decorrência da iniciativa bem sucedida do Abaré, em 2009 a experiência se tornou objeto de estudo do Ministério da Saúde (MS), que com base nela lançou a Portaria 2.191, de 03 de Agosto de 2010, instituindo critérios diferenciados com vistas à implantação, financiamento e manutenção da Estratégia de Saúde da Família Fluvial para as populações ribeirinhas na Amazônia Legal e em Mato Grosso do Sul.

Em dezembro de 2010, o Abaré foi qualificado como a primeira Unidade de Saúde da Família Fluvial (USFF) do Brasil a ser anexada a Portaria 2.191. Com isso, desde janeiro deste ano, o Fundo Municipal de Saúde de Santarém (Município polo e proponente da ação) passou a ser reforçado com recursos do MS próximos de meio milhão de reais anuais para uso exclusivo no custeio da embarcação e dos serviços assistenciais no Tapajós.

Desta forma, o PSA deixou de executar os atendimentos, que passaram a ser de total responsabilidade das Prefeituras (técnica e financeira), com suas equipes de servidores públicos. Criou-se então um arranjo publico-privado, com o TDH (proprietário do Abaré)  disponibilizando a embarcação para os serviços das Prefeituras, e mantendo com o PSA neste ano apenas a cooperação para as ações complementares de saúde (campanhas educativas, assessoria à gestão técnica, apoio logístico adicional, articulações com universidades e instituições afins para receptivos de profissionais eventuais, voluntários e residentes, etc).

Perspectivas
O lançamento da Portaria 2.191 coincidiu com o período de crise econômica global, que começou em 2008 e também repercutiu no PSA. Em 2009, o TDH fechou seu escritório no Brasil e encerrou toda cooperação que tinha com outras ONGs, mantendo apenas a parceria com o PSA por meio de contratos anuais que desde então passaram a sofrer cortes seguidos.

Em meados de 2010, o TDH havia se manifestado por meio de um Termo de Acordo apresentando condicionantes para a continuidade da cooperação - principalmente a mobilização de novos parceiros e recursos, sobretudo públicos, para operação do Abaré – não oferecendo garantias de disponibilização da embarcação a partir de 2012.
Felizmente, com o advento da Portaria 2.191 e sua concretização no Tapajós já em janeiro deste ano, os desafios acordados foram alcançados até mesmo antes do previsto e acima das expectativas. Por esta razão, independentemente do término da cooperação bilateral com o PSA, esperamos pelo bom senso dos holandeses em prol da continuidade da parceria com os Municípios, já que as condicionantes foram cumpridas de maneira exitosa.
Não cabe aqui solicitar que a Holanda financie a saúde publica na Amazonia, mesmo porque o Ministério da Saúde juntamente com as Prefeituras estão fazendo sua parte.  A continuidade dos serviços assistenciais no Tapajós é o ponto chave, e para isso o Abaré deve permanecer na região, seja por meio de sua nacionalização ou até que um novo barco substituto entre em operação (a Prefeitura de Santarém está inscrita no edital vigente do MS para financiamento de barcos-hospitais junto a municípios da Amazonia e Pantanal).

Qualquer encaminhamento que evite a interrupção da saúde da família fluvial junto as comunidades contará com total apoio do PSA. O importante nisso tudo é que com  a Portaria 2.191, as Prefeituras contam hoje com as condições necessárias - programáticas e financeiras - para que os serviços assistenciais alcancem de forma perene as áreas mais longínquas dos municípios, seja com o Abaré ou com um barco substituto.

O modelo de saúde implementado ter se tornado politica publica nacional foi uma das maiores conquistas da nossa região - que deve ser motivo de orgulho do povo de Santarém, Belterra e Aveiro - pois o que se semeou no Tapajós estará gerando benefícios para  um numero muito maior de necessitados também de outras regiões.

Diante disso, as contribuições do PSA na área de saúde encerram um ciclo,  no tocante à execução direta dos atendimentos,  tendo inclusive viabilizado dois barcos para atenção básica - o Abaré no rio Tapajós, e o Abaré II no rio Arapiuns (este sendo repassado para SEMSA de Santarém) - para reabrir outro, que prossegue no apoio às ações complementares, mas também inicia processos de transferência do know-how adquirido para outras regiões carentes interessadas na replicação do modelo de saúde fluvial.

Para isso, as embarcações de atendimento de nossa região serão de grande valia, como referenciais concretos a serem acompanhados e aprimorados de forma continuada, oportunidade esta não apenas para qualificar ainda mais a assistência aos ribeirinhos, mas também para diversificar os serviços através de ações complementares  como por exemplo o ensino e a pesquisa, na forma de barco-escola seja para o receptivo de residentes e estudantes por meio de convênios com Universidades ou para capacitação com vivencia prática dos gestores de outras regiões a serem contempladas pela Saude da Família Fluvial.

Os avanços do programa de saúde do PSA servem como referencia também para nossos demais Setores, onde há todavia um caminho a percorrer no sentido de consolidar iniciativas demonstrativas que possam ganhar escala e expandir o numero de beneficiários, como as ações que se intensificam em 2012 de educação com professores, crianças e adolescentes; de inclusão digital promovendo o acesso dos ribeirinhos à internet e às TICs; de geração de renda com o artesanato da floresta, ecoturismo comunitário, energias renováveis e agroecologia;  bem como a formação de lideranças para auto-gestão dos empreendimentos implantados e do próprio desenvolvimento local.

A preocupação segue sendo a busca de um futuro sustentável nas diversas dimensões - social, cultural, econômica, ambiental e política – e o papel do Saúde & Alegria neste processo será continuar promovendo o exercício da cooperação entre as instituições e a construção de boas práticas que possam se multiplicar  e contribuir no enfrentamento dos desafios que se apresentam nesse Terceiro Milênio.
  
Cordialmente,
Santarém, 15 de dezembro de 2011.




CAETANO SCANNAVINO FILHO
Coordenador
Projeto Saúde e Alegria