EX-PREFEITO ACUSADO DE MATANÇAS NO PARÁ
O DIÁRIO
teve acesso à denúncia do MPE ao TJE que pede prisão de ?Pé de Boto? e
outros responsáveis po A existência de vários grupos de extermínio,
atuando em Belém e em algumas cidades do interior do Pará, com a
participação direta de militares e empresários, aponta que o índice de
violência no Estado, durante a gestão do governador tucano Simão Jatene,
fugiu completamente ao controle das autoridades da área de segurança
pública.
A facilidade e a impunidade com que
esses grupos atuam – como ocorreu do município de Igarapé-Mari, onde
dezenas de pessoas foram assassinadas sob o comando de ninguém menos do
que o próprio prefeito, Ailson Santa Maria do Amaral, o “Pé de Boto”,
seu sócio na matança, o secretário de Obras, Ruzol Gonçalves Neto, e o
filho deste, Rafael da Silva Neto – deixam a população aterrorizada,
porque ela sabe que esses criminosos apostam na influência política e no
trabalho de bons advogados, que sabem explorar a morosidade e as
brechas judiciais, para continuar atuando sem problemas, até mesmo de
dentro das cadeias, inclusive se utilizando de veículos oficiais.
O que o leitor vai ter acesso, a
partir de agora, é à denúncia criminal enviada pelo procurador de
Justiça Nelson Medrado, do Núcleo de Combate à Improbidade
Administrativa e Corrupção, do Ministério Público Estadual, ao
desembargador Rômulo Nunes, que foi o relator, nas Câmaras Criminais
Reunidas do Tribunal de Justiça, do pedido de conversão de prisões
temporárias para prisões preventivas dos envolvidos na chacina em
Igarapé-Miri.
O desembargador acatou o pedido do
MP, mas os advogados dos acusados conseguiram “habeas-corpus” em
Brasília. Resultado: “Pé de Boto”, Ruzol e o filho dele, Rafael, além
dos militares executores das mortes, estão livres, leves e soltos.
O caso está sob “segredo de
justiça”, mas o DIÁRIO teve acesso aos relatos de sobreviventes de
atentados e de parentes dos assassinados, além das conversas telefônicas
– interceptadas por ordem judicial – entre o prefeito e a organização
criminosa que ele comandava, revelando o método frio, cruel e cínico
implantado em Igarapé-Miri contra quem ousasse desafiar “Pé de Boto” e
seus comparsas.
COM JATENE - O agora ex-prefeito,
afastado do cargo depois que seus crimes vieram à tona, era aliado
político do governador Simão Jatene e sempre foi por ele elogiado pela
gestão que fazia no município. Uma gestão, aliás, pródiga em casos de
corrupção, nepotismo, enriquecimento pessoal e homicídios.
O MP é contra o sigilo processual,
porque entende que a sociedade precisa acompanhar e ter acesso às
informações sobre o caso, que até hoje traumatiza a população de
Igarapé-Miri.
O inquérito policial foi instaurado a
partir de representação feita por M.J.P.C, residente em Igarapé-Miri.
Ele foi vítima de um atentado naquela cidade e apontou policiais
militares como autores, afirmando que eles cumpriam ordens do secretário
de Obras, Ruzol Gonçalves Neto, e do prefeito “Pé de Boto”.
Para Medrado, a organização
criminosa chefiada pelo prefeito e integrada pelo irmão dele, Amilton
Nazareno Santa Maria do Amaral, Ruzol e seu filho, Rafael, sequestrava,
matava pessoas e era de “alta periculosidade”. As atividades da
quadrilha começaram sua macabra existência quando “Pé de Boto” ainda era
candidato ao cargo de prefeito, mas ampliou sua conduta criminosa
depois que foi eleito.
Grupo de extermínio almejava
‘limpar’ a cidade Os fatos que deram suporte à ação penal do MP foram
apurados no decorrer da investigação conhecida por “Operação Falso
Patuá”. M.J.P.C declarou no depoimento à polícia que o autor da
tentativa de homicídio contra ele foram Amilton, irmão de ‘Pé de Boto”,
Rafael, os soldados da PM Silva e Ivan, além de um terceiro que
identificou como cabo Hélio.
O soldado Ivan é irmão do cabo
Hélio. A vítima informou que os suspeitos desceram de uma camionete L200
preta e de um Celta Prata, com metralhadoras nas mãos, mas o cabo Hélio
foi quem deu entre seis e sete tiros em sua direção.
“Os comentários em Igarapé-Miri
eram de que o prefeito, com o extermínio de pessoas, pretendia reduzir a
violência no município, uma das promessas de campanha eleitoral". Cabo
Hélio era segurança do prefeito.
O sobrevivente conta que fazia
parte de uma lista de nomes de jovens que deveriam ser mortos no
município pelo “bem da segurança pública”, de acordo com declarações do
prefeito e dos assassinos por ele comandados. M.J.PC, ainda no
depoimento, apontou alguns casos de pessoas que já teriam sido mortas
por ação da organização criminosa.
Os nomes são os seguintes: Ledilson
Farias de Souza, vulgo “Maluco da Calça”, que morava na rua Lauro Sodré.
Ele foi morto com disparos de arma de fogo pelo cabo Hélio e seu corpo
foi encontrado jogado no ramal Mocajuteua, no sítio do secretário Ruzol;
um homem de prenome Manoel; Mauro, vulgo “Rato d’Água”, posteriormente
identificado como Mauro de Jesus Corrêa de Souza; Alisson, vulgo “Dente”
; Marco, vulgo “Cacola”; Denildo, vulgo “Macaco”; Alexandre, vulgo
“Cara de Gato”; Deones Maciel Charles, o “Maguila”; Francinei Correia da
Conceição, o “Prateado”; “Buim”; “Boioioca”; Hugo Vinicius Alves da
Silva, o “Hugo”, morto a tiros pelo soldado da Polícia Militar Matias; e
ainda uma pessoa não identificada e encontrada morta na estrada de
Igarapé-Miri, no ramal Mucajateua.
LISTA O sobrevivente relatou que o
secretário Ruzol era o responsável pela confecção da lista dos que
deveriam morrer, juntamente com seus filhos Rafael e “Gordo”, que
frequentemente andavam armados. O prefeito é padrinho de batismo de
Rafael. Diante das graves denúncias relatadas por M.J.P.C, a polícia fez
o cruzamento de informações entre as mortes citadas no depoimento e os
relatórios oficiais Secretaria de Segurança Pública do Pará,
principalmente o relatório da Secretaria Adjunta de Inteligência e
Análise Criminal (Siac), juntado ao processo.
O relatório da Siac, que tem como
referência o período de 2010 a agosto de 2013, aponta um aumento, entre
2011 e 2012, de 50% no número de homicídios, e, somente no período de
2012 a 2013 - início da gestão de “Pé de Boto”, um acréscimo de 25% nas
mortes.
Os números do relatório para os
crimes em Igarapé-Miri apontam ainda que 20% dos homicídios foram
perpetrados por um indivíduo com arma de fogo, caminhando a pé pela via
pública, enquanto outros 75% das mortes ocorreram por uso de arma de
fogo. Outro detalhe: 95% das vítimas eram do sexo masculino e 60% tinha
até 34 anos.
O cenário deixa evidente o
extermínio de jovens naquele município, sendo que 55% dos mortos
possuíam antecedentes criminais, informação que converge com a suposta
intenção do prefeito de “limpar” a cidade.
Os números, segundo o relatório do
Siac, fizeram Igarapé-Miri subir para o 4º lugar no ranking da violência
da 4ª Região Integrada de Segurança Pública, ficando abaixo apenas de
Moju, Abaetetuba e Barcarena. A diferença para o primeiro lugar foi de
três mortes, embora Igarapé-Miri seja menor que as três outras cidades.
‘É para matar logo uns cinquenta’,
diz secretário O relatório de Inteligência da Divisão de Homicídios da
Policia Civil, sobre as interceptações telefônicas da “Operação
Blindagem” - durante apuração para identificar os autores do atentado
contra quatro advogados na estrada da Alça Viária, dentre estes
Alessandra Souza Pereira, mulher do delegado Eder Mauro –, comprovou que
o objetivo era matar o advogado Eduardo dos Santos Pereira, que voltava
de um julgamento em Barcarena depois de fazer a defesa de um réu
acusado de ter morto um policial militar.
A investigação policial descobriu
que o veículo utilizado no atentado estava escondido na propriedade do
secretário municipal de infraestrutura de Igarapé -Miri, Ruzol Gonçalves
Neto, em Igarapé-Miri, o que demonstra o envolvimento de militares no
crime. Na maioria das conversas gravadas com autorização da Justiça,
Ruzol é questionado pelo prefeito “Pé de Boto” sobre a segurança na
cidade de Igarapé -Miri.
O prefeito quer saber sobre
arrombamentos, furtos e outros tipos de crime. Ele também se comunica
com muita frequência com policiais da cidad, inclusive chega a
determinar que policiais capturem dois homens em uma determinada
localidade, no caso “Beré” e “Mial” ou “Bial”. O secretário de Obras
Ruzol, em conversa com interlocutor não identificado, afirma ter
determinado um ataque a bairros da cidade, contra pessoas tachadas pelo
prefeito de “marginais e vagabundos”.
Em uma conversa que dura 81
segundos, o prefeito determina que Ruzol vá com eles (PMs) para “ataque
na galera da Matinha, e dar uma arrebentada”. Em outro diálogo, que dura
137 segundos, Ruzol comenta com Elielson que falou com “Samarone”.
Elielson diz que o sargento Moraes está chegando. Ruzol ordena que é
para ele ir falar com ele. E afirma que ia “mandar matar logo uns 50,
que não têm jeito”.
INFLUÊNCIAS Outra conversa, com 99
segundos, é entre Ruzol e um homem não identificado, mas que a polícia
diz ser o prefeito “Pé de Boto”. Ruzol diz que o “Barrasco” já está em
cana e que mandou os pitbulls (PMs) segurarem ele, que ele “vai ter que
entregar a bomba que levou do colégio e a balança que levou de um
açougue lá em frente”.
Essas chamadas, na avaliação
policial, demonstram que Ruzol e o prefeito têm influência sobre os PMs
que atuam em Igarapé-Miri, determinando a realização de prisões e de
ações policiais, fatos comprovados, inclusive, pelas investigações da
Divisão de Homicídios. Nesse tipo de crime, com participação de
policiais militares destacados para Igarapé-Miri, fica evidente que a
população do município ficou inibida de falar o que sabia, pois aqueles
que eram responsáveis por assegurar a lei e a ordem eram os mesmos que a
estavam descumprindo.
Depois disso, o próprio prefeito
determina que Ruzol arranje entorpecentes para imputar a prática de
crime de tráfico a Marcelo Matos dos Santos para que ele seja autuado em
flagrante. A investigação policial constatou que o autor do flagrante
forjado foi o policial militar Edson Carlos Souza, que afirmou na
polícia ter ido atender uma ocorrência na Vila Maiuatá, onde flagrou
Marcelo com a quantidade de 14 petecas de cocaína.
Os PMs Dilson Harlem Nascimento
Nunes e Rivadávia Alves dos Santos, ainda segundo a investigação,
participaram da ação que resultou no flagrante forjado. Marcelo disse
ter sido preso quando bebia no cais da cidade e que, no momento da
prisão, os militares já estavam de posse das petecas de cocaína para
forjar o flagrante.
Ele ficou preso durante 3 meses e
15 dias. Em depoimento aos policiais que investigam as atividades
criminosas do prefeito e de sua quadrilha, Marcelo identificou alguns
matadores que agiam em Igarapé-Miri, cumprindo ordens do prefeito,
destacando os militares “Blindado” e “Cabão”, além de “Boi”. Também
declarou que outras pessoas presas foram vítimas de flagrantes montados.
O cabo Edson, segurança do prefeito, estava envolvido na compra e venda
de armas de fogo.
PEDIDO DE CPI Na quarta-feira
passada, da tribuna da Assembleia Legislativa, o deputado Edmilson
Rodrigues (PSOL) cobrou do presidente da casa, Márcio Miranda, a
imediata instalação da CPI das Milícias. Miranda deferiu o pedido, mas
os trabalhos só irão começar depois que os partidos com assento na Alepa
indicarem os membros da CPI.
Edmilson, as cerca de 100 entidades
e movimentos sociais do Pará, além de familiares das vítimas, estão
incomodados com a falta de informações sobre a chacina de 10 pessoas, na
madrugada do dia 5 de novembro passado, em vários bairros de Belém,
numa onda de execuções sumárias após a morte de Antonio Carlos
Figueiredo, o “cabo Pet”, da Rotam. “Há quase um mês, o crime continua
sem solução, apesar de tantas mortes, apesar de todo o aparato de
inteligência da segurança pública. Talvez falte vontade política”,
reclamou Edmilson. Na tribuna, ele lembrou ter conseguido as 14
assinaturas de deputados ao requerimento de CPI, conforme exige o
regimento interno da Alepa, e de ter formalizado o pedido de instalação
junto à mesa diretora da Casa, no último dia 25. Passados oito dias,
nenhuma providência ainda havia sido tomada para a instalação.
Edmilson leu trechos do processo a
que responde o prefeito, Ailson Amaral, o “Pé de Boto”, que esteve
preso, acusado de chefiar uma milícia que mandava matar, prender e
torturar pessoas do município. “Recebi de uma fonte o processo que corre
em segredo de justiça. São muitas horas de gravação que confirmam a
existência de milícia na Região Tocantina.
Daí a importância da CPI. Se o
desembargador (Romulo Nunes) afirma (no processo) que a milícia existe,
não temos por que duvidar”, cobrou o psolista. Segundo o deputado,
qualquer atitude que destoe, postergue ou deturpe a adoção das medidas
necessárias para instalação da CPI será “ato atentatório ao princípio da
legalidade e da moralidade pública, ensejando medidas reativas não só
por parte dos deputados signatários do requerimento de criação da CPI
como também por parte de toda a sociedade paraense vítima direta e
imediata da atuação dos grupos que serão objetos da investigação”.
QUEM ERA QUEM- A organização
criminosa que se valia de policiais militares da ativa – portanto,
agentes de Estado que deveriam garantir a segurança da população e não
assassinar pessoas para agradar a um político ávido pelo poder – era
composta por 12 integrantes, segundo denúncia do Ministério Público:
1 –
Ailson Santa Maria do Amaral, vulgo “Pé-de-Boto”, prefeito municipal de
Igarapé-Miri e chefe da quadrilha 2 – Amilton Nazareno Santa Maria do
Amaral, irmão de “Pé de Boto” 3 – Ruzol Gonçalves Neto, vulgo “Ruzol” ou
“Ruzo”, secretário municipal de Obras e Infraestrutura de Igarapé-Miri 4
– Rafael da Silva Neto, filho de Ruzol 5 – Paulo Sérgio Fortes Fonseca,
vulgo “Cabão”, policial militar 6 – Marcelo Matias de Jesus, vulgo
“Matias”, policial militar 7 – Silvio André Alves de Souza, vulgo “CB
Silvio” ou “Beiçudo”, policial militar 8 – Marco Afonso Muniz Palheta,
vulgo “Cabo Muniz”, policial militar 9 – Rivadávia Alves dos Santos,
vulgo “Sargento Rivadávia”, policial militar 10 – Dilson Harlen
Nascimento Nunes, vulgo “Cabo Dilson”, policial militar 11 – Edson
Carlos Souza, policial militar 12 – Everaldo Lobato Vinagre, vulgo
“Boi”
(Fonte- Diário do Pará)
