“São evidentes os indícios de irregularidades que se contrapõem às normas ambientais, verificadas pelos respectivos órgãos fiscalizadores, a ensejar na espécie atuação do Judiciário”, destacou o desembargador federal Hilton Queiroz em decisão que foi encaminhada para conhecimento do Ministério Público Federal (MPF), no último dia 16. A ação foi ajuizada pelo MPF e pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA).
Assinada em janeiro deste ano pelo juiz federal Érico Rodrigo Freitas Pinheiro, a liminar foi contestada pela Sisa em recurso encaminhado ao TRF1 em fevereiro. A empresa alegou que já existia um processo judicial tratando do mesmo assunto, que o empreendimento está regularmente licenciado, que não há perigo de danos ambientais, que as obrigações determinadas na liminar não podem ser revertidas e que a multa – de R$ 65 mil por dia de desobediência à Justiça – é muito alta.
Para o TRF1, nenhuma dessas alegações da empresa é válida. Segundo o desembargador federal Hilton Queiroz, o juiz federal Érico Rodrigo Freitas Pinheiro abordou o tema “de forma enfática e abrangente”, e as medidas determinadas por ele foram necessárias, tendo em vista os detalhes relatados no processo sobre as irregularidades do projeto, verificadas inclusive em outros empreendimentos da empresa.
Ainda de acordo com o desembargador federal, as medidas adotadas pelo juiz federal em Santarém também estão resguardadas pela lei que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Essa lei estabelece que ao poluidor e predador são impostas as obrigações de recuperar e/ou indenizar os danos causados.
Obrigações – Na decisão liminar de janeiro deste ano, o juiz federal Érico Rodrigo Freitas Pinheiro determinou a suspensão das licenças prévia e de instalação concedidas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) de Santarém e impediu a empresa de realizar qualquer nova intervenção na área.
O juiz estabeleceu prazo para que a incorporadora apresentasse à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) um plano prevendo a adoção de medidas de contenção, elaborado por profissionais devidamente habilitados, a fim de evitar que o Lago do Juá venha a ser assoreado por resíduos oriundos da área do residencial Cidade Jardim.
A decisão também impediu provisoriamente a Semas de emitir qualquer licença ambiental ao empreendimento antes de apresentação e avaliação técnica positiva de Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental, e determinou que seja feita consulta livre, prévia e informada com os pescadores artesanais afetados e que sejam adotadas providências para reduzir e prevenir danos ambientais decorrentes de intervenções já feitas na área.
A Justiça acatou a tese do MPF e do MPPA e entendeu que a empresa responsável pelo loteamento se utilizava de um “estratagema” para fugir das exigências legais de apresentar estudos de impacto e realizar consulta prévia aos atingidos. Há evidências de que a empresa é dona de uma área de 1.370 hectares, mas apresentou pedidos de licença para vários empreendimentos de 99 hectares, abaixo do limite em que são feitas exigências ambientais mais rigorosas. Para a Justiça, os procedimentos indicam que houve “dispensa indevida do estudo de impacto”.
Lamaçal – “Não tem mais um lago, hoje a gente tem só um lamaçal”, afirmou um dos pescadores entrevistados na visita técnica realizada pelo MPF no dia 7 de dezembro do ano passado, que ouviu pescadores que tradicionalmente usam o local. O resultado está no relatório de diligências para investigar os impactos socioambientais sobre a sub-bacia hidrográfica do Lago do Juá. Com isso, o MPF demonstra a necessidade de realização de consulta prévia, livre e informada aos pescadores artesanais impactados, nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho.
O relatório contém entrevistas com moradores e pesquisadores, registros fotográficos, análise de imagens de satélite e mapa topográfico do lago. O Juá é um lago fluvial situado a nove quilômetros do centro urbano de Santarém, em zona considerada de expansão urbana desde o ano de 2006, nas proximidades da Rodovia Fernando Guilhon. Conecta-se ao rio Tapajós por meio de um canal.
Com a expansão da cidade, o Juá se tornou uma das poucas opções para os pescadores artesanais que vivem na zona urbana, em especial nos bairros do Maracanã e Mapiri. Segundo dados da Colônia de Pescadores Z-20, apenas nestes dois bairros há 240 pescadores cadastrados. O Juá também é utilizado por pescadores dos bairros do Santarenzinho, São Brás, Eixo Forte, Cucurunã e Santa Maria. As lideranças foram unânimes em apontar que o desmatamento produzido pela Buriti, em 2012, foi o principal fator desencadeador do assoreamento do Juá e, consequentemente, da mudança de seus modos de vida e da precarização de sua subsistência.
Os impactos foram confirmados na dissertação de mestrado “Avaliação espacial e temporal das taxas de sedimentação do Lago do Juá, Santarém-Pará-Brasil”, defendida por Zelva Cristina Amazonas Pena em julho de 2016, no Programa de Pós-Graduação em Recursos Aquáticos Continentais Amazônicos, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa). A pesquisa e suas conclusões estão detalhados na ação, como elevação de temperatura, mudanças na característica da água e redução de pescado. “O assoreamento do Lago do Juá, portanto, é um fato inegável, empiricamente e cientificamente comprovado”, afirma o MP.
Para o MP, estão demonstrados todos os elementos ensejadores da responsabilidade civil da empresa Sisa pelo assoreamento do Lago do Juá e impactos decorrentes: conduta (supressão vegetal e omissão nas medidas de contenção do assoreamento), nexo causal (erosão e carreamento de sólidos por águas pluviais) e dano (assoreamento do Juá, modificação do ecossistema e impactos sobre os pescadores artesanais).
Fonte: MPF Pará