MPF recomenda afastamento de diretora escolar em Santarém por racismo institucional contra indígenas
A Diretora da Escola Municipal São Miguel, é alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF) por suposta prática de racismo institucional e atos discriminatórios contra indígenas do povo Munduruku da aldeia Pau D’arco.
Diante da situação, o órgão ministerial enviou recomendação à Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Santarém, para que afaste imediatamente a diretora. Também foram recomendadas a abertura de processo disciplinar e a adoção de outras medidas antirracismo.
Após receber denúncias sobre o tema, investigações realizadas pelo MPF revelaram um padrão sistemático de condutas discriminatórias, incluindo uso de linguagens e conceitos pejorativos e estereotipados sobre povos indígenas, ameaças de exclusão do ambiente escolar e da própria comunidade, tentativa de demissão de servidor por participar de movimentos indígenas, e impedimento de acesso a recursos escolares para atividades relacionadas à causa indígena.
Assinada pelo procurador da República Vítor Vieira Alves, a recomendação registra que, entre os fatos apurados, destacam-se:
- Ameaças e intimidação: a diretora escolar teria intimidado e coagido um pedagogo indígena em uma reunião em abril deste ano, ameaçando-o de demissão caso ele continuasse a participar de movimentos de afirmação étnica na comunidade. Lideranças indígenas também teriam sido impedidas de se manifestar em reuniões escolares sob ameaça de acionamento da polícia;
- Declarações racistas: o MPF colheu depoimentos que atribuem à diretora falas de cunho racista e pejorativo. Uma testemunha relatou que, durante o processo de autorreconhecimento indígena da comunidade em 2023, a diretora dizia às crianças frases como “qualquer hora dessas vocês vão andar nu, porque o pai de vocês virou índio”. Ela também teria dito que “depois que se declarassem índios que procurassem local para morar e estudar, porque lá mesmo na escola ela não iria aceitar”;
- Ameaças de expulsão: a diretora é acusada de ameaçar expulsar os indígenas da escola e da comunidade, chegando a proferir a seguinte frase em uma reunião: “todos aqueles que viraram indígenas deviam procurar outro território que fosse longe de Pau D’Arco”;
- Omissão da Semed: o MPF aponta que a Semed, mesmo informada dos fatos, manifestou-se em defesa da gestora escolar, justificando a tentativa de dispensa do pedagogo indígena com um argumento genérico. A secretaria não instaurou processo administrativo para apurar as denúncias, o que o MPF classificou como “omissão incompatível com seu dever institucional”. O documento frisa que a Semed, além de não ter instaurado processo disciplinar, tampouco demonstrou ter adotado medidas efetivas para reparar os danos já causados ou implementar ações preventivas capazes de evitar a repetição de episódios semelhantes.
O MPF reforça que as condutas apuradas são agravadas pelo fato de o racismo institucional ter sido praticado em ambiente escolar, pela própria dirigente. O órgão destaca que a exposição de crianças indígenas e não indígenas a esse tipo de comportamento preconceituoso pode gerar evasão escolar, baixo rendimento acadêmico e danos significativos à autoestima e formação identitária dos alunos, perpetuando a exclusão social e ferindo o direito fundamental à educação em igualdade de condições.
Além disso, a prática em pleno ambiente escolar também configura grave violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que garante o direito ao respeito e à preservação da identidade. A recomendação do MPF também cita que a mesma gestão escolar já foi investigada anteriormente por racismo institucional contra alunos quilombolas da comunidade Patos do Ituqui e que, naquela ocasião, foi constatada a omissão das autoridades diante de denúncias de bullying racista.
Medidas recomendadas
Além do afastamento imediato da diretora, o MPF recomendou à Semed, na pessoa de sua titular, Maria José Maia da Silva, a adoção de uma série de medidas, com prazos definidos:
- Afastamento e processo disciplinar: instaurar imediatamente processo administrativo para apurar os fatos e afastar ou exonerar a diretora da Escola Municipal São Miguel;
- Campanha de conscientização: elaborar e implementar, em até 60 dias, uma campanha contínua contra o racismo nas aldeias sob sua circunscrição;
- Reunião de diálogo: promover, em até 30 dias, uma reunião na Escola São Miguel com a participação de representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e do Conselho Indígena Munduruku e Apiaká do Planalto (Cimap), para garantir o respeito aos direitos indígenas;
- Comissão de Igualdade Racial: instituir, em 90 dias, uma Comissão Permanente de Igualdade Racial na Educação, com participação indígena e quilombola;
- Ato público de desagravo: promover um ato público de desagravo à comunidade indígena Munduruku da aldeia Pau D’arco, com um pedido formal de desculpas.
Sobre recomendações
Recomendação é um instrumento por meio do qual o Ministério Público expõe, em ato formal, fatos e fundamentos jurídicos sobre determinada questão, com o objetivo de fazer com que o destinatário pratique ou deixe de praticar condutas ou atos para melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição.
É uma atuação voltada para a prevenção de responsabilidades ou correção de condutas. Embora não possua caráter obrigatório, visa à solução do problema de forma extrajudicial. O não acatamento infundado de uma recomendação – ou a insuficiência dos fundamentos apresentados para não a acatar total ou parcialmente – pode levar o Ministério Público a adotar medidas cabíveis, incluindo ações judiciais cíveis e penais contra os agentes públicos responsáveis. (com informações do MPF)
O Impacto
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