FAÇA A SUA DOAÇÃO

A sua contribuição pode fazer a diferença! COMO AJUDAR a fortalece nosso trabalho, COLABORE COM O BLOG DO COLARES - pix (93) 99141-2701.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O QUE O BAÚ NÃO CONTOU

Por: José Wilson Malheiros ( Crônica )
A imprensa deu intensa e merecida cobertura ao lançamento do “Meu Baú Mocorongo”.
Trabalho pertinaz, minucioso, meu pai a ele se dedicou de corpo, alma e coração. Com essa obra de crônica social, memórias, preservação de patrimônio e história, Izoca chegou ao patamar de Câmara Cascudo e Gilberto Freyre, intelectuais nacionalmente respeitáveis, entre outros.
Fechando os olhos volto no tempo e vejo meu velho dedilhando a Olivetti Lettera, máquina de escrever com a qual ele trabalhou no Banco do Brasil e que levou para casa, de presente, ao se aposentar, com dedicatória do Gerente e dos funcionários. Posso dizer, com indisfarçável orgulho, que cheguei a trabalhar no banco com ele.
Perto da escrivaninha, uma janela aberta para o quintal de casa. Era aí que vinham pousar, todo dia, dois bem-te-vis para ouvir o maestro tocar piano, compor e fabricar o Baú.
O telefone não parava um instante sequer. Eram amigos para conversar, gente pedindo orientação sobre assuntos variados, ligações de artistas do país e até do exterior, enfim, poderíamos dizer que de uns tempos para cá o ambiente de trabalho do meu pai transformou-se, também, num autêntico consultório.
Mas, eu dizia no início que o Baú não contou. Há vários “causos” que ele ou esqueceu ou achou por bem não publicar.
Vamos a um deles, aliás, bem anedótico, que ele me narrou numa das manhãs em que seguíamos juntos para o trabalho.
Na década de mil novecentos e quarenta o Euterpe Jazz estava em plena atividade e tinha como palco maior o Centro Recreativo, em Santarém. Eram festas inesquecíveis, onde pontificava a elegância e o bom gosto.
Numa ocasião estava presente um americano que não falava português e ficou empolgado quando a orquestra tocava (era moda na época) além dos sambas e maxixes, fox-trot, one-step e boogie-woogie (lê-se: bug-ug).
Terminado o baile, o gringo, cheio de cerveja, queria mais. Subiu no palco e começou a fazer sinais que pretendia continuar dançando. Disseram que não.
Izoca dizia:
No, no, music stop!
Ele gritava e insistia:
Me dance, me dance!!!... fox-trot, boogie-woogie!...
Então, o americano teve uma idéia salvadora. Olhou para os músicos e perguntou:
- Money? Money? (em todos os lugares do mundo sabe-se que isso significa “dinheiro”).
(Papai nunca cobrou para tocar, mas sabia que os músicos eram pobres).
Perílio Cardoso, que tocava contrabaixo, arregalou os olhos, entusiasmado. Os músicos começaram a rir:
-Yes! Money, money!...
Então o Mister começou fazer ofertas, com um punhado de dólares na mão e indicando com os dedos:
-One?
-No! (os músicos respondiam em coro)
-Two?
-No!
-Three?
-No!
-Four, five, six?
-No, no, no!
-SEVEN?
- Perílio saltou, pegou os sete dólares da mão do americano e falou:
-SERVE!
... Eu não sei quanto era a cotação do dólar, na época. Mas a orquestra começou a tocar, outra vez. A festa só acabou quando o sol já começava a mirar-se no espelho do rio Tapajós, anunciando a chegada de mais uma manhã cheia de poesia, como são os amanheceres na Terra Querida.