De acordo com a ação do Ministério Público, o processo de licenciamento está totalmente irregular.
O Ministério Público Federal (MPF) e o
Ministério Público do Estado do Pará (MP/PA) pediram à Justiça Federal
em Santarém que suspenda imediatamente o licenciamento do terminal
portuário que a Empresa Brasileira de Portos de Santarém (Embraps) tenta
construir na chamada grande área do Maicá, uma região de várzeas às
margens do rio Amazonas. O licenciamento está irregular porque não foi
precedido da consulta prévia, livre e informada, determinada pela
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A suspensão do licenciamento, de acordo
com a ação judicial, deve durar até a realização da consulta prévia,
livre e informada, nos moldes determinados pela Convenção 169 e de
acordo com os protocolos de consulta próprios construídos pelas
comunidades a serem consultadas. Além da Embraps, são réus na ação a
Agência Nacional de Transporte Aquaviário (Antaq), que autorizou a
construção do porto, o Estado do Pará, responsável pelo licenciamento e a
Secretaria de Portos da Presidência da República. Todos desconsideraram
a obrigação de consulta prévia da Convenção 169.
Pela convenção, populações tradicionais e
povos indígenas devem ser consultados antes de qualquer decisão
governamental ou empresarial que possa impactar seus territórios e
afetar o futuro de suas comunidades. Existem sete comunidades
quilombolas que sofrerão impacto direto ou indireto do porto da Embraps
reconhecidas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra), pela Fundação Palmares, pela Justiça Federal e até pela
prefeitura de Santarém (PA), mas foram ignoradas.
MPF e MP temem mais um conflito agrário
na região. A Embraps já vem espalhando placas no Lago do Maicá, onde
pretende fazer a obra, marcando a região, cheia de famílias quilombolas e
ribeirinhas, como propriedade particular (foto). “A falta de consulta
prévia pode gerar, por isso, grave conflito agrário, dado que a
informação veiculada pela empresa Embraps fere direitos ocupacionais das
populações tradicionais que historicamente ocupam as áreas de várzea e
que são de domínio da União, de acordo com a Secretaria de Patrimônio da
União. Não podem, assim, as áreas serem consideradas de propriedade da
Embraps”, diz a ação judicial.
Os Estudos de Impacto Ambiental feitos
pela Fadesp (Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa) foram
apresentados em outubro do ano passado. Os estudos são compostos,
obrigatoriamente, de dois documentos. Um é o Estudo de Impacto Ambiental
(Eia) propriamente dito, com todas as análises técnicas e científicas
exigidas pelos órgãos licenciadores. O outro é uma versão simplificada
desses estudos, o Relatório de Impactos sobre o Meio Ambiente (Rima),
feito para apresentar os impactos à sociedade de forma clara.
Para surpresa dos procuradores e
promotores que atuam no caso, os dois documentos se contradiziam.
Enquanto o Eia, a versão completa dos estudos, reconhecia impactos
diretos em pelo menos uma comunidade quilombola, o Rima, a versão
resumida, dizia expressamente que nenhuma comunidade quilombola seria
afetada pelo porto. E a Fadesp usou o que estava escrito no Rima para
concluir que não seria necessário o cumprimento da Convenção 169 da OIT.
Para o MPF e o MP do Pará a questão é
incontroversa. O Incra já confirmou e vários documentos oficiais atestam
a existência das comunidades quilombolas Arapemã, Saracura, Maria
Valentina, Bom Jardim, Murumurutuba, Tiningu e Mururu. Arapemã e
Saracura, que sofrerão impacto direto porque se localizam na frente do
porto, em ilhas do Amazonas. As demais comunidades são cortadas pela PA
370, que deve concentrar todo o fluxo de caminhões até o local do
terminal portuário.
“Em que pese a existência de todas essas
informações oficiais, a Embraps e a Fadesp foram incapazes de registrar
a presença dessas comunidades tradicionais. Seria mera incompetência ou
vontade dirigida à invisibilização desses povos para burlar a
legislação e desrespeitar o direito fundamental à consulta prévia, livre
e informada dos povos tradicionais?”, perguntam a procuradora da
República Fabiana Schneider e a promotora de Justiça Ione Nakamura,
responsáveis pela ação.
RG 15/ O Impacto com informações de ASCOM/MP