Possível conluio entre consórcios no leilão pode ter elevado tarifa paga pelos consumidores de energia elétrica
De acordo com as informações divulgadas
pelo veículo, os técnicos partiram de dois elementos principais para
apontar a hipótese de conluio no leilão. O primeiro é a participação da
Eletrobras por meio de subsidiárias nos dois grupos concorrentes (Furnas
e Eletrosul de um lado e Chesf do outro, o vencedor). Outro indício
foram as mudanças profundas na composição acionária do consórcio Norte
Energia, vencedor, logo após a realização do certame. Em poucos meses,
sócios saíram, outros entraram e até perdedores no leilão passaram a
fazer parte do grupo vencedor, ou foram contratados por ele para fazer
as obras.
Ainda é cedo para dizer que tipo de
providências serão tomadas, caso se comprove que houve conluio. De
acordo com um especialista, o TCU pode desde recomendar uma ação do
Ministério Público, até responsabilizar os gestores e as empresas, pedir
ressarcimento, requerer anulação do leilão ou declarar as empresas
inidôneas.
A área técnica já está entrevistando
pessoas envolvidas nessas negociações e reunindo documentos, embora o
TCU tenha limitações que não existem para o Ministério Público e a
Polícia Federal, como quebra de sigilos. Onde é possível, porém, a
Seinfra Operações tem conseguido dados transferidos pelo Ministério
Público Federal da Operação Lava-Jato.
OBRAS TAMBÉM ESTÃO SENDO INVESTIGADAS
Outra dificuldade seria a comprovação do
conluio. Segundo acórdão anterior do TCU investigando essa hipótese em
outro caso, definiu-se conluio como “um acerto entre os licitantes
quanto à elaboração das propostas, acerto esse que geralmente não é
documentado”. O Tribunal já reconheceu ser difícil comprovar a
existência de conluio, pois, “mesmo que as propostas de preços sejam
completamente diferentes entre si, podem ter sido objeto de combinação
verbal entre os licitantes, objetivando apenas forjar uma real
competição”.
A construção da usina foi citada na
delação premiada do ex-senador Delcídio do Amaral, já homologada pelo
Supremo Tribunal Federal (STF). Ele disse que foi montado um sofisticado
esquema de corrupção nas obras de Belo Monte.
O argumento do governo após o leilão e
as denúncias, para descartar qualquer possibilidade de desvio, era que a
existência de dois concorrentes e um deságio no preço da tarifa teto
oferecida teriam assegurado a concorrência necessária para o leilão.
Para os técnicos do TCU, porém, o fato de ter havido um deságio de 6% em
relação à tarifa teto não impede que tenha sido firmado acordo entre os
concorrentes na definição do preço de R$ 78 por Megawatt-hora (MWh).
— E se o preço competitivo fosse 30% menor? — questiona uma das pessoas a par das investigações.
As apurações do TCU derivam de
recomendação prevista em acórdão de agosto de 2015. A abertura de
investigação solicitada pela Comissão de Integração Nacional,
Desenvolvimento Regional e da Amazônia da Câmara dos Deputados foi
aprovada pelos ministros do Tribunal prevendo “fiscalização nas empresas
estatais acionistas da SPE Norte Energia, no intuito de verificar a
regularidade e a efetividade dos controles exercidos sobre os
investimentos e contratos firmados pela companhia, notadamente no que se
refere à possibilidade de superavaliação de investimentos”.
Outra frente de investigação do TCU é o
contrato entre a Norte Energia e o Consórcio Construtor Belo Monte
(CCBM), de mais de R$ 13 bilhões. Neste caso, a hipótese é de ter havido
sobrepreço. O relatório do TCU aponta que o custo atualizado da obra
chegou a R$ 33 bilhões, com alta de 74% em relação ao orçamento inicial
de R$ 19 bilhões. No leilão, o valor considerado foi de R$ 25,8 bilhões.
Apontado o eventual sobrepreço, as obras poderiam ter uma indicação de
interrupção, como outras no rol de indicações do TCU.
A usina hidrelétrica de Belo Monte já
gera energia, mas ainda não está completamente pronta, o que deve
ocorrer apenas em 2019 (nove anos após o leilão). Segundo técnicos, o
contrato com o CCBM é o primeiro a ser analisado pelo TCU, por ser o
maior, mas há outros que despertam dúvidas entre os analistas.
-—Podemos iniciar uma Lava-Jato só sobre Belo Monte — disse um técnico sob condição de anonimato.
Para os técnicos do TCU, embora a
Eletrobras seja acionista minoritária da Norte Energia, o capital
governamental no empreendimento é relevante, tendo em vista a
participação da estatal e suas subsidiárias no consórcio com 49,98%
(além da Cemig, estatal estadual de Minas Gerais), os empréstimos
concedidos pelo BNDES, a participação dos fundos de pensão de
instituições federais (20% do capital), a indicação de servidores para
conselho e diretoria da Norte Energia e a possibilidade de os sócios
serem chamados a fazer novos aportes de capital, o que implicaria mais
dinheiro público. O TCU vem abrindo frentes para investigar essas
Sociedades de Propósito Específico (SPE) pelas quais as estatais
costumam investir em sociedade com entidades privadas.
MAIS OBRAS DE USINAS NA MIRA DO TCU
Ainda segundo matéria do ‘O Globo’, no
âmbito da Lava-Jato, o TCU já havia apontado, em março, que a construção
da usina hidrelétrica de Tumarín, na Nicarágua, com valor de US$ 1,2
bilhão, era um projeto “extremamente desvantajoso e potencialmente
lesivo” para a Eletrobras, que participaria da sociedade no
empreendimento. Os repasses para a obra, porém, foram suspensos por
determinação do TCU. Os levantamentos sobre Tumarín já envolveram
técnicos das áreas de energia elétrica e da Seinfra Operações do TCU.
As obras das usinas de Angra 3, Jirau,
Santo Antônio, Teles Pires, São Manoel, Mauá 3 e Simplício também estão
sendo avaliadas pelo TCU.
Procurados, o consórcio Norte Energia e a
Eletrobras não quiseram se manifestar. O relatório técnico do TCU está
para ser concluído e deverá ser encaminhado ao ministro José Múcio,
responsável pelo acompanhamento do setor no tribunal.
RG 15 / O Impacto com informações do ‘O Globo’