Caravana reuniu indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses, pesquisadores, professores e ativistas
Índios Munduruku comemoram na beira do Tapajós, em Itaituba
De Santarém, Alta Floresta,
Jacareacanga, Aveiro, Altamira partiram barcos lotados com camponeses,
ribeirinhos, indígenas, quilombolas e ativistas, todos rumo a Itaituba,
que sediou no último fim de semana a 2ª Caravana em Defesa do Rio
Tapajós. Dessa vez a reunião tinha motivos para festejar, com o
arquivamento da usina São Luiz do Tapajós pelo Instituto Brasileiro de
Meio Ambiente (Ibama). Mas o momento também foi de preparação para novos
projetos governamentais que ameaçam a bacia do Tapajós, formada pelo
Teles Pires, Juruena, Jamanxim e outros tributários de segunda ordem. Em
quase todos, existem dezenas de projetos de construção de hidrelétricas
e portos.
Os trabalhos da Caravana foram abertos
com um minuto de silêncio, em homenagem à ativista Nilce Magalhães, a
Nicinha, assassinada em janeiro desse ano em Rondônia. Pescadora,
Nicinha lutou contra as barragens de Jirau e Santo Antônio no rio
Madeira e ficou desaparecida por quatro meses, até que seu corpo foi
encontrado dentro do lago da usina de Jirau, no dia 21 de junho passado.
O primeiro a falar no encontro foi o cacique geral do povo Munduruku,
Arnaldo Kaba, que agradeceu o apoio de ribeirinhos e movimentos sociais
da região contra a usina de São Luiz do Tapajós. “Só os Munduruku não
conseguiriam barrar a barragem, mas todos juntos, barramos”, disse. “O
desenvolvimento para nós é agua limpa e floresta protegida”, afirmou o
cacique.
Estiveram presentes no encontro
convidados do rio Xingu, onde está sendo construída a usina hidrelétrica
de Belo Monte, a um custo socioambiental altíssimo, principalmente para
ribeirinhos e indígenas atingidos de forma brutal em seus modos de
vida. Raimunda Gomes, pescadora e habitante de uma ilha no Xingu que foi
alagada pelo lago da usina, chegou a ter sua casa incendiada pela
empresa responsável pela remoção dos moradores. “Não aceitem nenhum
dinheiro, não vale a pena, o que vale a pena é permanecer no lugarzinho
de vocês. Para nós, a vida não acabou, claro que não. Mas é muita peleja
para se conseguir viver fora do nosso ambiente”.
O marido de Raimunda, João Pereira da
Silva, chegou a sofrer um derrame dentro do escritório da Norte Energia,
durante uma das desiguais negociações a que foi submetido durante o
processo de remoção. Agora, junto com instituições de pesquisa e
entidades da sociedade civil, o Ministério Público Federal (MPF) tenta
encontrar uma solução para garantir o retorno de todos os ribeirinhos do
Xingu para a área do reservatório, quando a obra de Belo Monte
terminar.
O MPF também tem um grupo de trabalho
para acompanhar os projetos governamentais na bacia do Tapajós e
participou do encontro em Itaituba com a presença de um procurador da
República, Camões Boaventura e um procurador regional da República,
Felício Pontes Jr. “É hora para festejar, mas não é hora para baixar a
guarda”, disse Pontes Jr ao se dirigir à plateia. Ele lembrou que nos
tributários da bacia estão sendo construídas e planejadas dezenas de
barragens. Só no Teles Pires, principal formador do Tapajós, são quatro
grandes barragens já em construção. Nos rios menores, como Juruena,
Arinos e rio dos Peixes, existem dezenas de projetos de pequenas e
médias barragens.
“O projeto de São Luiz do Tapajós foi
arquivado por uma conjunção de vários fatores”, avaliou Camões
Boaventura, autor da recomendação ao Ibama para que arquivasse o
licenciamento da usina. “Mas não teríamos chegado a essa conjunção de
fatores se não fosse a capacidade de resistência e denúncia dos povos
desse rio, que nunca desistiram de reivindicar seus direitos
constitucionais e com isso enfraqueceram o projeto da barragem”, disse. O
MPF continua acompanhando todos os outros projetos de barragens na
bacia do Tapajós, com uma equipe de procuradores que atuam em Santarém,
Itaituba, Cuiabá, Sinop, Belém e Brasília.
As etnias Rikbaktsa, Menki, Kayabi e
Apiaká, do Mato Grosso, moradores dos rios Teles Pires, Juruena, Arinos,
dos Peixes e Apiacás também foram para Itaituba, pedir apoio dos povos
da bacia para enfrentar os projetos que já violam extensamente direitos
constitucionais nesses rios. “Meu povo tem três terras indígenas em três
municípios e em cada uma delas está planejada uma usina”, disse a
liderança Paulo Henrique Rikbaktsa.
Agradecendo a presença dos povos do Mato
Grosso, Ademir Kaba, professor Munduruku, disse que os povos indígenas
hoje mendigam uma fatia da terra que era toda deles. “Eu não tenho
orgulho de ser brasileiro, porque o Brasil, o governo brasileiro, não
respeita os direitos dos povos indígenas. Estamos aqui unidos com um
único objetivo, que é manter a nossa vida enquanto povo, enquanto
costume, enquanto religião, porque, se dependesse do governo, já tinham
acabado os povos indígenas”, disse.
“Sou filha de Montanha Mangabal, tenho
orgulho de ser ribeirinha. Esse rio é minha vida. Sou acostumada com
peixe, limão, pimenta e pirão de farinha. Tenho horta e uso muito a
terra. Por isso não queremos hidrelétrica de jeito nenhum”, disse Tereza
Lobo, moradora da comunidade no alto Tapajós que seria afetada tanto
pela usina de São Luiz do Tapajós quanto pelo segundo projeto de
barragem no rio, o de Jatobá, que ainda não foi arquivado pelo governo.
O professor Alfredo Wagner de Almeida,
da Universidade Federal do Amazonas, mostrou algumas das graves falhas
nos estudos de impacto de São Luiz do Tapajós, que estão entre os
motivos para o arquivamento do projeto. Com seu projeto da Nova
Cartografia Social, Alfredo elabora mapas em conjunto com as comunidades
e no caso da comunidade Pimental, que seria o local da barragem de São
Luiz, o mapa apresentado pelas empresas a título de estudo omitiu todas
as informações sobre localidades e moradores, que poderiam ser
repassadas pelos próprios habitantes.
“As pessoas vão mapear e não são capazes
de listar os locais onde estão as riquezas das comunidades, os
açaizais, os pontos de pesca. As comunidades têm competência bem maior
do que as empresas de consultoria que recebem milhões para mapear os
locais”, explicou Alfredo Wagner. Guilherme Carvalho, da Fase (Federação
de Órgãos para Assistência Social e Educacional), lembrou que
empreendimentos como hidrelétricas, quando se instalam, inviabilizam
qualquer outra atividade na região e retiram territórios e autonomia da
mão das comunidades que vivem centenariamente na região amazônica.
Para a professora da Universidade
Federal do Pará Edna Castro é fundamental o respeito à memória e à vida
das várias gerações que vivem no espaço amazônico. Ela lembrou a luta
contra a usina de Tucuruí, como um exemplo que não pode ser esquecido,
de que após a implantação de um grande projeto estatal de
desenvolvimento, processos de violência e resistência permanecem por
décadas.
Fonte: RG 15/O Impacto e MPF, com foto de Helena Palmquist