Manter a floresta em
pé pode sim ser lucrativo. Foi esta a conclusão de pesquisadores da
Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) que durante dois anos
desenvolveram pesquisas em três comunidades da Floresta Nacional do
Tapajós (Flona), por meio do projeto “Políticas Públicas e Dinâmicas
Territoriais: O caso da Flona Tapajós, Belterra – PA”. Coordenados
pelo professor Márcio Benassuly (ICS), os estudos mostraram que é
possível ter outro modelo de ocupação da região pelo qual sejam
respeitados o modo de vida e a cultura de quem vive na floresta.
A pesquisa resultou em cinco trabalhos de
conclusão de curso e mais artigos já publicados e faz parte do grupo
Políticas Públicas e Dinâmicas Territoriais na Amazônia (GPDAM), ligado
ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
que objetiva “analisar as ações estatais voltadas para a Amazônia no
que se refere à execução de políticas públicas e seus rebatimentos no
território e sociedade regional”.
Os estudos foram desenvolvidos por alunos
concluintes do curso de Gestão Pública. A técnica do “encauchado”, as
dinâmicas territoriais e as políticas públicas desenvolvidas no âmbito
de três comunidades da porção norte da Flona estão entre os temas
abordados. “Esse contato nos ajudou a ter uma percepção mais humana com
os problemas que existem na nossa sociedade, em nossa região,
principalmente na Floresta Nacional”, afirmou Andressa Paes, 21 anos.
A artesã Raimunda Rodrigues, 58 anos, 30
deles vividos na comunidade de São Domingos (Floresta Nacional do
Tapajós), desenvolve com a ajuda do marido a técnica do encauchado.
“Ainda não retiro o látex da seringueira, apenas faço a coleta e depois o
tratamento do leite retirado pelo meu marido, que é nascido e criado
aqui na floresta”. Ela conta ainda que chegou a viajar para a cidade de
São Francisco do Pará para fazer o curso. Faz peças de artesanato
(colares, pulseiras, tapetes, porta-lápis, embalagens, chaveiros,
porta-copos) com materiais retirados da floresta. “A folha do açaí, da
árvore do cupuaçu, do cacau, do cajueiro, tudo vira matéria-prima”.
- Raimunda foi uma das artesãs entrevistadas pela aluna Andressa Paes para a pesquisa que resultou no TCC Uma análise da experiência de tecnologia social na Amazônia: o caso do projeto encauchados de vegetais na comunidade de São Domingos, Belterra, Pará. “É o que classificamos tecnologia social, desenvolvida na Flona, que alia o conhecimento tradicional dos povos da floresta. “Este contato me fez ter uma percepção diferenciada, seja na questão da utilização dos recursos naturais, seja como essas populações tradicionais vivem, o ritmo de vida que é bem diferente do nosso, têm o contato com a natureza. Isso amadureceu muito meu pensamento acerca da floresta”.
A técnica dos encauchados tem origem na
cultura indígena da Amazônia. É uma técnica de impermeabilização de
tecido com o uso do látex da árvore do caucho (Castilloa ulei)
para a fabricação de produtos artesanais. A palavra “caucho” faz
referência ao leite que sai da seringueira, que os antigos diziam que é a
madeira que chora. “Essa técnica da borracha (encauchados) já existia
muito antes da chegada dos colonizadores europeus. Então não existia
nenhum processo que visasse melhorar a qualidade da borracha. Com os
novos encauchados começaram a acrescentar técnicas para melhorar a
qualidade da borracha para poder elaborar esses objetos, o artesanato
que é feito a partir da matéria-prima da borracha”, afirma Andressa
Paes.
Biojoias – “Produção
sustentável de biojoias e alternativa de renda: o caso da cooperativa de
mulheres da comunidade de Jamaraquá, Belterra (PA)” foi o tema do
trabalho de Giuliana Gonçalves, 23 anos. Foram quatro visitas
superficiais à Flona e uma imersão de quatro dias acompanhando a rotina,
a produção desde a retirada do látex à produção das mantas. “Foram
quatro dias que mudaram a minha vida”.
Ela explica como se desenvolveu a
pesquisa. “Por se tratar de uma cooperativa formada só por mulheres,
verificamos como elas conseguem associar a conservação da natureza a uma
produção sustentável e ao mesmo tempo conquistar uma renda positiva sem
prejuízos ao meio ambiente”. E as lições foram muitas: “Aquelas
mulheres dão um belo exemplo para a família e também para nós. Elas
provam que, quanto mais a floresta estiver em pé, é melhor para elas,
para a retirada da matéria-prima. O trabalho artesanal atrai cada vez
mais turistas que estão em busca desse tipo de experiência”, conclui
Giuliana.
Ecoturismo – Foi com a
ajuda do ICMBio que, em 2002, foi construída pelos comunitários a
primeira pousada na Floresta Nacional do Tapajós, a pousada Nirvana do
Tapajós. Depois surgiram outras. Atualmente os comunitários oferecem
pacotes de atividades para os turistas, trilhas, visitas noturnas à
floresta, entre outras atividades.
A estudante Aline Mota, de 22 anos,
desenvolveu pesquisa na qual abordou o tema “Ecoturismo na Floresta
Nacional do Tapajós: uma análise da implantação de pousadas na
comunidade de Jamaraquá, em Belterra Pará”. “Antes da implantação das
pousadas, os turistas se hospedavam na casa dos comunitários. Isso não
era cômodo, nem para o comunitário, nem para turista, mesmo que
trouxesse uma experiência diferenciada. Não havia a comodidade
necessária para quem está viajando, por isso decidi analisar esse
aspecto”.
A problemática do trabalho: as limitações
dos proprietários de pousadas na comunidade de Jamaraquá. “Uma das
principais limitações é a falta de capacitação. As atividades são
realizadas pelos familiares.” A aluna destaca ainda outro problema
enfrentado pelos comunitários: “A comunicação com os turistas, muitos
são estrangeiros e viajam sozinhos, os comunitários não falam Inglês. E
também não têm acesso a escolas de inglês porque eles não têm condições
de se deslocar a Santarém para frequentar um curso dessa natureza”.
“Outra limitação dos comunitários para expansão do negócio com as
pousadas é a administração financeira. Eles não conseguem separar os
recursos oriundos do trabalho daqueles gastos no cotidiano”, conclui
Aline.
Livro – E a produção
científica sobre o tema não para por aí. “Todo esse conjunto de trabalho
será sistematizado para a elaboração de um livro, que pretendemos
lançar com o título de Floresta Nacional do Tapajós: território, economia, gestão e manejo de recursos naturais na Amazônia”, afirmou Benassuly.
Ainda de acordo com o professor, o livro
será divido em três partes, referentes às três comunidades visitadas
pelos alunos-pesquisadores: São Domingos, Maguari e Jamaraquá. “Apesar
de estarem localizadas na porção norte da Flona e territorialmente
próximas, cada uma dessas comunidades possui uma dinâmica diferenciada.
São as que estão localizadas mais próximas da cidade de Santarém”. O
livro será composto por nove artigos. No total, a Flona abriga 25
comunidades que ainda aguardam por estudos.
Lição para todas as pesquisadoras: aprender o conceito de sociobiodiversidade,
que busca associar a conservação da natureza à sua cultura. “Engloba
tanto saberes, produtos, tradições de um determinado território. A
conservação da floresta em pé, no caso das seringueiras, vai estar
diretamente ligada à forma como os comunitários se relacionam com o seu
meio ambiente”, concluem as alunas.
Fonte: RG 15/O Impacto e Lenne Santos/Ufopa