A suspeita de
beneficiamento de políticos ligados ao Governo e ao próprio governador
Simão Jatene, levou o Ministério Público Estadual (MP) a ingressar com
duas ações judiciais, para obrigar a Companhia de Portos e Hidrovias do
Pará (CPH) a apresentar os documentos relativos à construção da
Plataforma Logística do Guamá (PLG), no nordeste paraense, e a sustar o
eventual pagamento de desapropriações.
Segundo as denúncias que chegaram ao MP,
um dos beneficiados pelas indenizações previstas para as desapropriações
de terrenos na área da PLG (estimadas em mais de R$ 7 milhões), seria o
empresário e pecuarista castanhalense Eduardo Salles, sobrinho do
governador. Outro, seria o presidente da Assembleia Legislativa (Alepa),
Márcio Miranda, do DEM, o possível candidato de Jatene, nas eleições
deste ano ao Governo Estadual. A Procuradoria da Alepa negou que Miranda
possua terrenos na área do projeto. Quanto ao sobrinho do governador,
certidões cartorárias em poder do DIÁRIO confirmam que ele adquiriu, há
anos, centenas de hectares nas imediações do local em que ficará a
Plataforma (a Vila Pernambuco, no município de Inhangapi), mas ainda se
desconhece se tais terrenos estão, de fato, entre os que serão
desapropriados.
As ações foram ajuizadas, em 2015, pelo
promotor de Justiça de Inhangapi, Wilson Gaia Farias. Mas só em 19 maio
do ano passado é que saiu a sentença do juiz da Comarca, Sérgio Cardoso
Bastos, no processo principal: uma Ação Civil Pública de apresentação de
documentos. O juiz condenou a CPH a apresentar os documentos que
embasaram a confecção de uma lista de beneficiários, com o respectivo
valor das indenizações, que havia sido encaminhada ao MP pelo Governo. É
que, para livrar-se de fornecer as informações pedidas pelo MP, o
Governo havia alegado a inexistência de um processo formal de
desapropriações: a falta do necessário decreto governamental e da
previsão de dinheiro, no orçamento estadual, para esses pagamentos, por
exemplo.
No entanto, a lista encaminhada ao MP, como notou o juiz, demonstrou
que já havia, sim, informações que poderiam ser disponibilizadas ao
promotor. O magistrado deu 60 dias para que a CPH apresentasse a
papelada, sob pena de multa de R$ 300 mil e sem prejuízo de outras
sanções. Segundo as certidões de trânsito em julgado e de arquivamento
processual, datadas de 30 de outubro do ano passado, a CPH cumpriu a
determinação judicial. Na quinta-feira (25), o DIÁRIO tentou contato com
o promotor para obter mais informações sobre a papelada, mas ele se
encontra de férias.DENÚNCIA
Segundo a sentença do juiz e em outros
documentos a que a reportagem teve acesso, tudo começou em novembro de
2013, quando o cidadão Carlos Alberto de Araújo encaminhou denúncia ao
Ministério Público Federal (MPF) sobre supostas ilegalidades e prejuízos
aos direitos de comunidades quilombolas no projeto da plataforma. O MPF
abriu inquérito, mas concluiu que se tratava de fatos de competência
estadual e encaminhou a documentação, em novembro de 2014, ao MP. No
inquérito, segundo informou à Justiça o promotor Wilson, haveria
“indícios de favorecimento” a políticos ligados ao Governo e ao
governador. Entre esses indícios estariam a “supervalorização” de áreas a
serem desapropriadas e irregularidades na titularidade desses terrenos,
até com o uso de “laranjas”, para o recebimento de indenizações.
Da lista de ocupantes dos terrenos a serem desapropriados,
encaminhada pelo Governo, o MP só conseguiu localizar um com título
registrado no Incra, e dois com registro no cartório de imóveis. No
entanto, a CPH alegou que o projeto se encontra em fase inicial. Disse
que houve pesquisa cartorária para detectar os registros imobiliários
dos 920 hectares onde a primeira etapa será executada. No entanto,
informou, muitos ocupantes de terrenos não possuem o título de
propriedade. Daí que o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) terá de
realizar um serviço de plotagem, para confirmar o direito de propriedade
ou de posse de cada qual. Só então é que as indenizações começarão a
ser negociadas.Falta de transparência
Na sentença do processo principal, o juiz acabou revogando a liminar concedida em outra ação, para sustar o pagamento de indenizações. É que o governo acabou tendo de admitir à Justiça o que a população do Nordeste do Pará já sabe: a Plataforma Logística do Guamá é sonho distante, eis que nem mesmo o processo de indenização das áreas afetadas existe formalmente. Tudo, ao que informou o governo, está em fase de levantamento de dados.
Em sua sentença, o juiz Sérgio Cardoso Bastos deu uma bronca no Governo do Estado, devido à sonegação de informações sobre a Plataforma Logística do Guamá. “Desde a instauração do procedimento administrativo, ainda em 2013 (da PLG), não houve dos demandados uma postura de transparência e lealdade. Mesmo diante da autoridade do Ministério Público, no curso do inquérito civil, mantiveram sua posição de omissão em relação aos documentos solicitados pelo titular daquele órgão, que tinha por propósito o cumprimento de sua missão institucional de fiscalizar a administração pública, diante do surgimento de denúncias de ilegalidade”, destaca. “A conduta dos demandados é inaceitável. Constitui autêntica obstrução da justiça. Conforma-se à improbidade e induz à ilegalidade”, escreveu.
plataformalA PLG é um projeto para
desafogar o trânsito na Região Metropolitana de Belém, com a criação de
uma via alternativa para a circulação de veículos de carga (carretas e
caminhões). Prevê a instalação de um porto às margens do rio Guamá, na
vila de Pernambuco, em Inhangapi, que será ligado por uma estrada de 12
km à BR 316, já em Castanhal. Isso evitaria que veículos de carga que
vêm de outros estados circulem na RMB, já que chegariam através daquele
porto.
Preocupações do promotor
Em um documento ao qual o DIÁRIO teve acesso parcial, o promotor
Wilson Farias deixa patente a sua preocupação com possíveis
irregularidades no projeto da Plataforma Logística do Guamá. Ao que
parece, a previsão era de que a estrada que ligará o Porto Pernambuco à
BR 316 passasse em terrenos de “pessoas ligadas” ao governador Simão
Jatene e ao deputado Márcio Miranda, apesar de esse traçado tornar a via
mais cara e perigosa, além de sujeita a uma “guerra de liminares”, por
cortar terras de comunidades quilombolas (Itaboca, Quatro Bocas e
Cacoal).Em outro documento, ele cita o pecuarista Eduardo Salles, sobrinho de Jatene, e se refere “à família” de Márcio Miranda como supostos detentores de terrenos desapropriáveis. Veja trechos do documento que revelam a preocupação do promotor:
“A desapropriação das terras de pessoas ligadas ao Governador do Estado e ao Presidente da Assembleia Legislativa do Estado é preocupante pela possibilidade dos valores astronômicos eventualmente atribuídos aos hectares dessas propriedades, como exemplo: às terras do cidadão Zé Ninguém deverá ser atribuído o valor de cem reais por hectare, mas às terras das pessoas ligadas ao Governador Simão Jatene e ao Deputado Estadual Márcio Miranda deverão ter valores de mil reais por hectare, o que é bem provável, então por que não desviar a estrada de ligação do porto à rodovia federal, devendo-se considerar ainda que as terras na linha reta do porto à rodovia federal, como está no projeto, são constituídas de planaltos e planícies, o que elevará o custo da obra e tornará a rodovia perigosa, mais que a Alça Viária, com derrapagens e capotagens, sendo mais prudente fazer a ligação do porto à rodovia pelo ramal da Comunidade Itaqui, em Castanhal”.
E acrescentou: “Não se pode negar a localização estratégica no Porto Pernambuco, entretanto questionar as eventuais desapropriações é necessário, pois há possibilidade das desapropriações beneficiarem pessoas ligadas ao Governador Simão Jatene e ao Deputado Estadual Márcio Miranda, havendo ainda a necessidade da discussão do projeto, em especial quanto à localização da estrada que ligará o porto à rodovia federal, de levantamentos topográficos das áreas destinadas à estrada, bem como de áreas alternativas”, afirma. “Este órgão não tem dúvida de que o projeto da PLG tem objetivos outros, sombrios, como beneficiar pessoas ligadas ao Governador Simão Jatene e ao Deputado Estadual Márcio Miranda e que, se não fiscalizados, os recursos poderão ser desviados”.
Fonte: Ana Célia Pinheiro/Diário do Pará