São “coincidências”, no mínimo, 
estranhas. Durante pelo menos 12 anos, a Pelc Serviços de Informática 
Ltda (que está no centro de um escândalo milionário no Detran já 
denunciado pelo DIÁRIO) pertenceu ao cunhado do governador do Pará, 
Simão Jatene: o analista de sistemas Philadelpho Machado e Cunha Junior e
 a mulher dele, Daniele Maria Pawlaski e Cunha. Philadelpho é irmão da 
primeira-dama Ana Maria Chaves da Cunha Jatene.
A Pelc é a líder do Consórcio Stratus, 
que há dois anos não existe, oficialmente, segundo a Junta Comercial do 
Pará, por estar com capital social zerado e seu contrato não ter sido 
renovado, portanto fantasma. Mas que, mesmo assim, já recebeu mais de R$
 55,4 milhões do Detran, para a prestação de serviços de internet, de 
acordo com o portal estadual da Transparência. A licitação e o contrato 
que beneficiaram o consórcio (do qual faz parte também a empresa 
Socibra) estão cercados por suspeitas de fraude e de superfaturamento.
As irregularidades já foram denunciadas 
ao Ministério Público (MP), que começou a investigar o caso na semana 
passada. Durante a administração da atual diretora do Detran, Andrea 
Yared de Oliveira Hass, o contrato com o consórcio fantasma foi 
turbinado e aditivado duas vezes, num total de R$ 22 milhões.Segundo a 
Junta Comercial do Pará (Jucepa), a Pelc foi registrada em 3 de janeiro 
de 1996 por quatro sócios: Daniele Cunha, Laura Cardoso, Eimar Neves e 
Marília Oliveira. Desse grupo, Daniele foi quem assumiu a gerência da 
empresa, uma das primeiras provedoras de acesso à internet de Belém: a 
Nautilus, nome de fantasia da Pelc até hoje.
A empresa funcionava na rua Visconde de 
Inhaúma, 1249, no bairro do Marco, em Belém, mesmo endereço de Daniele. O
 marido dela, Philadelpho, assina a constituição societária, na condição
 de testemunha. No entanto, Philadelpho só viria a entrar oficialmente 
na empresa em 4 de outubro de 1999, depois que os demais sócios deixaram
 a Pelc, que passou a pertencer apenas a ele e Daniele. Em 1999, 
Philadelpho era assessor do Detran, onde foi, também, chefe da 
Consultoria Técnica, diretor administrativo-financeiro e diretor de 
Registro de Veículos.
Em família
Outra irmã de Philadelpho, Rosa Cunha, 
era então superintendente do Detran. Em junho de 2003, Philadelpho foi 
para a Secretaria Estadual de Educação (Seduc), onde Rosa Cunha havia 
sido nomeada secretária pelo cunhado-governador, Simão Jatene.
Diz a Jucepa que, em 27 de março de 
2008, Daniele e Philadelpho deixaram a Pelc, transferindo-a para Marcelo
 Marcelino de Oliveira. No mês seguinte, ela se mudou para a BR-316, no 
bairro da Levilândia. Só em outubro de 2015 é que passaria a ocupar o 
endereço atual: a travessa WE-30, 672, em Ananindeua.
Endereço
No entanto, até hoje, quase 10 anos após
 a transferência formal de propriedade da empresa, o endereço de Daniele
 Cunha – em vários sites na internet – continua sendo a Visconde 
Inhaúma, 1249, justamente a casa que pertence a Philadelpho. O mesmo 
endereço também aparece em uma correspondência da Justiça do Trabalho, 
datada de 2 de junho de 2009, quando a Pelc já havia sido transferida, 
na Jucepa, para a BR-316. São todas essas estranhas “coincidências” que o
 Ministério Público precisa esclarecer ao povo do Pará.
Segurança sucateada, empresa milionária
O contrato 065/2012, entre o Detran e o 
consórcio Stratus, foi firmado em dezembro de 2012, com um valor 
superior a R$ 58, 8 milhões, para três anos – ou até dezembro de 2015. 
Mas em 21 de dezembro de 2015, o Diário Oficial do Estado (DOE) 
publicou, na página 22, um aditivo de R$ 22,7 milhões, que também 
esticou a vigência contratual por mais 12 meses. Em 9 de dezembro de 
2016, na página 47 do DOE, um novo aditivo ampliou a vigência até 
dezembro deste ano.
Desde janeiro de 2013 até o último 10 de
 julho, o Detran já pagou a esse consórcio mais de R$ 55,4 milhões pela 
transmissão de dados, via internet e em rede, a todas as suas unidades 
estaduais. Os recursos saem da sucateada área de Segurança Pública do 
Pará, à qual pertence o Detran. A montanha de dinheiro equivale a um ano
 de salários de 1.421 soldados da Polícia Militar, cuja remuneração-base
 não chega, muitas vezes, nem a R$ 3 mil. No entanto, é inegável que 
esse contrato tem feito muito bem à saúde financeira da Pelc.
Entre 2012 e 2013, dizem os balanços 
contábeis registrados na Jucepa, seus ativos saltaram de menos de R$ 250
 mil para quase R$ 850 mil. A receita operacional bruta, que era de 
pouco mais de R$ 172 mil, bateu em quase R$ 4,2 milhões. E o lucro 
líquido, que era de R$ 20 mil, foi parar em R$ 363,8 mil. O capital 
social da empresa experimentou crescimento semelhante: era de apenas R$ 
40 mil, em 2012, subiu para R$ 150 mil, em 2013, e fechou o ano passado 
em R$ 3 milhões. E olhe que a pequenina PELC de 2012 possuía menos de R$
 6 mil em “obrigações trabalhistas”, o que significa um reduzido número 
de funcionários. Seu imobilizado (móveis, máquinas e equipamentos) 
também não era grande coisa: pouco mais de R$ 132 mil. Isso, porém não a
 impediu de abocanhar o milionário contrato do Detran.
Uma história nebulosa
A Pelc nasceu, na verdade, quando quatro
 sócios iniciais Philadelpho, Eimar, Luís e Cláudio (donde surge a sigla
 Pelc) montaram um provedor. Mais tarde, a Nautilus foi vendida para a 
Interconect. No entanto, na Jucepa, não há registro dessa venda ou de 
sócios chamados Luís e Cláudio. Mas no Linkedin, Luís Lacerda diz, em 
seu currículo, que foi um dos fundadores da “Nautilus Provedor de 
Internet”, em Belém, na qual permaneceu entre janeiro de 1996 e janeiro 
de 1998. Ainda no Linkedin, um certo Flávio Amaral afirma que trabalha 
como supervisor na “Pelc Serviços de Informática/Interconect/Nautilus”.
A relação entre a Pelc e a Interconect Teleinformática Ltda é, mesmo,
 bastante esquisita. Em uma audiência de 2 de dezembro de 2008, na 
Justiça do Trabalho quem compareceu como representante da Pelc foi o 
empresário Antonio Carlos da Silva Castro, que é o dono da Interconect. 
No documento da audiência, consta, inclusive, o CNPJ da Interconect 
(00.657.399/0001-88) como se fosse da Pelc, que, na época já havia sido 
transferida, na Jucepa, para o empresário Marcelo Marcelino.De quem é a rede de fibra ótica locada para o Detran?
A grande dúvida, cuja resolução talvez seja a chave para tão grande mistério, é a seguinte: a quem, afinal, pertence a rede de fibra ótica que o consórcio fantasma Stratus, aparentemente, subloca ao Detran? Há informações de que a empresa estaria construindo uma rede própria de fibra ótica, graças aos recursos que recebe do Detran, que, apesar da montanha de dinheiro que já gastou com esse contrato, permanece e permanecerá sem uma rede de fibra ótica para chamar de sua e quedas constantes do serviço de internet.
No entanto, no começo desse contrato, era preciso que já existisse uma rede dessas, para que o consórcio pudesse atender ao Detran.Pelas demonstrações contábeis registradas na Jucepa, é difícil de acreditar que essa rede inicialmente usada pertencesse à Pelc. Já a Socibra, apesar de possuir um capital social de R$ 11 milhões, também não parece ser a dona da tal rede. Aberta em 1997, a Socibra sempre trabalhou, principalmente, com a venda de mercadorias no atacado (medicamentos, equipamentos de informática, veículos) a até com o aluguel de máquinas para escritórios. Mas não tem tradição nenhuma no ramo da internet, e nem registro na Anatel como provedora desses serviços. Já a Pelc e a Interconect, elas sim estão registradas na Anatel, para a prestação de Serviços de Comunicação Multimídia (SMC).
Fonte: Ana Célia Pinheiro/Diário do Pará